sábado, 25 de março de 2017

O risco em diagnosticar transtornos mentais na infância

         
Muitas vezes, quando a criança é encaminhada para um acompanhamento psicológico, ela já vem com diagnóstico pré-estabelecido por alguma especialidade médica. Noto que a especialidade médica mais resistente em diagnosticar crianças são os pediatras. Acho que este fato se justifica por lidarem muito com o desenvolvimento de seus pequenos pacientes e, por conta disso, sabem que as crianças podem mudar muito durante o percurso do desenvolvimento.
            O encaminhamento para atendimento psicológico, pelo convênio médico, deve ser feito através do diagnóstico de um médico, assim, para alguém, utilizar desse serviço, o sujeito deve ter uma doença.
            De forma geral, acho que o diagnóstico em saúde mental é uma questão extremamente delicada. A saúde mental se caracteriza por aspectos absolutamente subjetivos. O manual de diagnóstico de doenças mentais (DSM) é baseado exclusivamente em sintomas. Assim, para um sujeito receber um diagnóstico o médico irá avaliar se a pessoa tem o número de sintomas suficientes que caracterizam tal transtorno mental. Não existem exames que apontam o transtorno mental, o diagnóstico é feito apenas, mediante os sintomas. Diante de tal cenário podemos avaliar a fragilidade em se fazer um diagnóstico psiquiátrico.
            Quando pensamos no diagnóstico em transtorno mental na infância, a questão se torna ainda mais delicada por alguns motivos: a criança é um sujeito em desenvolvimento, assim sendo, a estrutura psíquica de uma criança pode ser definida como “não decidida”, assim:         “Para estruturar-se como sujeito, a criança depende irremediavelmente de um Outro sustentado por um agente de linguagem, personagem que lhe nutrirá um desejo, dirigindo-lhe demandas, o que propiciará o seu desenvolvimento”. (Petri, 2008:44)*.
            Podemos caracterizar a infância como o tempo da constituição subjetiva, período este, que finaliza na adolescência. Desta forma o risco de engessarmos a criança em um período em que ela deve estar disponível ao movimento, à transformação é, muitas vezes, comprometer muito mais o processo de desenvolvimento do que contribuir.
            No processo de subjetivação na infância, o lugar que ela ocupa com os pais, no campo social, também caracteriza como fundamental para esse momento. A criança é dita pelos seus pais, é dita pela escola, a criança não diz sobre si mesma, assim, a partir do discurso do outro ela significa sua subjetividade. Por esse motivo considero muito importante a atuação de profissionais que lidam com crianças, seja ele do campo da educação ou do campo da saúde. Não podemos atestar o fracasso da criança, ao contrário, devemos proporcionar espaços e possibilidades, seja na família, seja na escola, em que a criança possa se desenvolver de maneira saudável e segura.
           
Para finalizar menciono uma vinheta clínica durante meu atendimento com uma criança:
Criança: Camila que doença eu tenho?
Eu: Por que você está me perguntando isso Lucas? (nome fictício)
Criança: Porque eu vou a muitos médicos.
Eu: Você não é doente e acho até que você nem precisa ir a muitos médicos. Eu te acho bastante inteligente.
Criança: Você acha? Será que a minha mãe acha?
Eu: Quer perguntar pra ela? Podemos chamar ela aqui.
Criança: Quero sim!
A mãe entrou na sala de atendimento e imediatamente a criança perguntou se ela o achava inteligente, ao que a mãe respondeu que sim e ainda enfatizou, “muito”. Após um sorriso e suspiro da criança, encerrei a sessão.

*Referência da citação: Petri, R (2008) Psicanálise e infância. Rio de Janeiro: Companhia de Freud.


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