terça-feira, 27 de outubro de 2015

Infância e consumo: por que as crianças querem tanto?

         Por que as crianças querem tanto? Por que as crianças pedem tanto? Por que as crianças consomem tanto?  O mercado de produtos infantis está cada vez maior. O mercado de consumo, já percebeu que as crianças são grandes e poderosas consumidoras. Mas como as crianças podem ser poderosas consumidoras se elas não trabalham, são dependentes economicamente e não tem poder de decisão?
            Estas questões são, de fato, instigantes se pensarmos na condição de dependente da criança. Mesmo dependendo da decisão do adulto para consumir, ela consume, e muito. A construção social da criança, ao longo da história, já teve diversos lugares e significações. Nem sempre as crianças tiveram tamanha importância social como na atualidade. Em outros momentos da história a criança era simplesmente desconsiderada, sem qualquer relevância. Hoje em dia, a posição social da criança é muito determinante, tanto é que estamos aqui falando delas, assim, a criança ocupa um lugar exclusivo de grande destaque.
            O reconhecimento social da criança, em certa medida, é importante, pois, o contrário, trazia para este período da vida, grande sofrimento e opressão. Há alguns anos as crianças eram tratantadas como propriedade dos pais, sofriam abusos e eram, muitas vezes, submetidas a tratamentos violentos o que ocasionava um grande trauma posterior ao sujeito adulto. Porém, nos dias atuais, podemos dizer que vivemos uma situação oposta. As crianças têm um excesso de poder, sendo exercido no âmbito familiar. A criança decide o que quer comer, o que vai ver na televisão, onde vai dormir e o que quer consumir. Os pais ficam submetidos aos desejos dos filhos o que também causa grandes transtornos. Hoje temos crianças obesas, que não brincam na rua - ficam assistindo televisão e jogando vídeo game - e que exigem muito a presença dos pais, não conseguem fazer quase nada sozinhas, não têm autonomia.
            O grande fator complicador desse cenário é que as crianças não têm condições de tomar decisões, pois elas são seres em formações e que, justamente por isso, não adquiriram a capacidade de discernir o bom do mal, o saudável do prejudicial, o excesso do escasso, por isso, devem ser orientadas. Aí está o papel fundamental dos pais: orientar, educar e preparar seus filhos para a vida.
            Bem e qual a relação do consumo infantil com o lugar da criança na sociedade? A criança tomou um lugar tão preponderante, que ela passou a decidir e exigir dos pais o que quer consumir. Quando a criança pede algo para os pais, seja um brinquedo, uma roupa, um acessório, alimentação, etc, os pais, praticamente, se sentem na obrigação de atender aos desejos dos filhos. Receiam que as crianças possam ficar frustradas com um não e muitas vezes, argumentam que o filho não aceita o não. Não aceita o não? Nesse argumento está a maior prova do poder de decisão das crianças, os pais possibilitam que as crianças definam, por conta própria, o que querem.

            O poder de consumo das crianças é oferecido pelos pais. É claro que numa sociedade consumista é impossível, não consumir, mas é importante que os pais decidam o que a criança deva consumir essa decisão não deve ser da criança. Os pais devem fazer essa avaliação a partir daquilo que será melhor para a criança, como exemplo, a alimentação adequada, horário de dormir, fazer a lição, brincar e estudar, enfim, toda a rotina da criança, e aquilo que ela irá consumir, deve ser pensado e definido pelos pais, propiciando o bem estar da criança, afinal, os pais tem a obrigação de cuidar e proteger seus filhos e essa função não pode ser transferida para mais ninguém.


terça-feira, 20 de outubro de 2015

E quando a separação acontece?

         Quando um casal se separa, a dor é compartilhada por toda a família. Não só as crianças sentem muito a separação dos pais, assim como os próprios pais, que precisam lidar com o fato de que toda a expectativa de felicidade, construção de uma família, planos para o futuro, acaba de ser destruído. Desta maneira, os pais devem novamente reconstruir suas vidas e lidar com a frustação do fim de um relacionamento.
            Muitos pais levam a criança para psicoterapia, por estarem em processo de separação e temem que algo possa repercutir na criança, mesmo quando a criança, em algumas situações, não apresenta alteração no comportamento. Na entrevista com a mãe ou o pai, percebo, algumas vezes, que a dor está muito maior para eles do que para a própria criança. Desta maneira, em situação de separação devemos estar muito atentos ao fato de como os pais estão encarando o momento. Muito da repercussão, nessa ocasião, tem a ver de como os pais estão lidando.
            Rancor, raiva, ressentimento, mágoa, são sentimentos que inevitavelmente os pais podem endereçar aos filhos, sem que tenham o controle sobre isso. Nesse processo a mãe pode agredir o pai, o pai difamar a mãe e assim os filhos ficam sofrendo com o destino dessa separação.
            Acredito que, muitas vezes, uma separação é inevitável. Os pais não conseguem conviver juntos, se agridem, se magoam e não mais desfrutam da presença do outro. As crianças presenciarem esse tipo de relação não é nada saudável, assim, é melhor que os pais assumam a impossibilidade de conviverem juntos, possibilitando, um ao outro, a chance de ser feliz. A separação é um direito que os pais têm, nunca temos a garantia de que um relacionamento irá dar certo. Mas os pais têm a responsabilidade de executar esse processo da melhor maneira possível para os filhos e, essa melhor maneira possível, tem a ver com um não agredir o outro. Uma criança sempre vai amar os pais da mesma maneira, assim, elas não querem ouvir falar mal de seu pai ou sua mãe.
            Rubem Alves escreveu um livro infantil que trata sensivelmente da separação entre os pais. O livro de tão poético, chega a ser difícil para o linguajar infantil, porém, a poesia ressoa aos ouvidos de forma tão singela que quando leio este livro para as crianças percebo o quanto elas são atingidas pela mensagem sem que eu explique muita coisa.
            A história retrata o amor da selva (pai) e do mar (mãe). Por serem de universos tão diferentes eles se apaixonaram um pelo outro, apaixonaram pelas diferenças da qual viviam e um queria explorar o universo do outro, assim, dessa paixão, nasceu uma criança. Primeiramente, o mar foi morar na selva, mas ela não conseguiu se adaptar e sentiu muita falta do ambiente marinho. Percebendo que o mar estava triste, a selva se disponibilizou a morar no mar. Mas dessa vez a selva que passou a ficar triste, pois ele não se adaptou ao mar e não conseguiu ficar afastado dos mistérios e encantos da selva.
            Percebendo que juntos eles estavam muito tristes resolvem se separar para que possam resgatar a felicidade que morava dentro deles. E a criança? Bem, a criança continua sendo selva e mar. Ela se sente a vontade no ambiente marinho e conhece cada detalhe da selva e isso nunca poderá ser mudado.
            Deixem que seus filhos sejam selva e mar, deixem que eles circulem no ambiente paterno e materno, sem medo ou receio em estar fazendo isso, dessa forma, a separação tende a ser o menos traumática.
            E se os pais não conseguem lidar com o momento da separação, que legitimamente, é um momento difícil, não hesitem em procurar ajuda que, muitas vezes, não é apenas para a criança, mas principalmente para os adultos.
           


            

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Autismo e Psicanálise: uma possibilidade de tratamento?

          A psicanálise encontra grande resistência, entre profissionais de saúde e pais de autistas, para tratamento de autistas. Médicos, pais de autistas, profissionais da educação, recomendam, declaradamente, o não tratamento de crianças autistas com psicanalistas, argumentam que é perda de tempo. Muito do ódio relacionado à psicanálise, para o tratamento de autistas, vem de um argumento de que psicanalistas culpam a mãe pelo autismo da criança. Outro ponto, é que a psicanálise não irá treinar o comportamento da criança, no sentido da substituição de comportamentos inadequados por adequados, o que muitos consideram inapropriado, argumentando que a criança autista, deve adaptar seu comportamento, para ter um convívio social mais apropriado e digno.
            Sou uma psicanalista que atende autistas. Fui apresentada ao autismo, não pela psicanalise, mas por um menininho que, para sempre, mudou minha vida. E é a partir da minha experiência com crianças autistas e em especial, com esse menininho, que me autorizo a falar sobre a relação da psicanálise e o autismo.
            É fato que a psicanálise enfatiza muito a relação mão-bebê. Isso não tem a ver só com a clínica com autismo, mas com a clínica com crianças de uma forma geral. O sintoma da criança, na maioria das vezes, tem forte relação com as demandas parentais e, através do sintoma, a criança responde às demandas dos pais. Assim, um tratamento psicanalítico com crianças, sempre convoca os pais, para que, junto com o psicanalista, possam refletir sobre o sintoma do filho, não no sentido de culpar os pais, mas acima de tudo responsabilizá-los. A culpa não pode caber no tratamento psicanalítico, pois àquilo que os pais convocam de seus filhos é inconsciente, então, não podemos culpar uma pessoa de algo que ela nem mesmo tem consciência de que está fazendo.
            O tratamento com autistas não poderia ser diferente. Os pais também serão convocados para uma reflexão sobre o que acontece com a criança, sobre como eles percebem e enxergam o filho, sobre como eles encaram o autismo da criança. Ter um filho autista é de uma exigência imensa, assim, acolher a demanda dos pais e escutar as fantasias, desejos, decepções que circulam diante do filho é de extrema importância.
            Como já mencionei fui apresentado ao autismo por uma criança autista. Na verdade, o diagnóstico de autismo demorou a se impor. A criança foi encaminhada para tratamento com uma suspeita de autismo, por não falar, por não fixar o olhar e por ser apegada a objetos. Apesar de todas as características de autismo, preferi não fechar o diagnóstico, pois a criança só tinha dois anos e meio. A dificuldade em fechar diagnóstico se tornou ainda mais árdua, pois no percurso do tratamento, a criança tinha uma melhora significativa, interagia cada vez melhor, não era mais apegada a nenhum tipo de objeto, porém a dificuldade da linguagem permanecia, apesar de estar falando muitas palavras e formulando frases pequenas, ainda tinha dificuldades em entrar no plano no discurso. O diagnóstico de autismo foi fechado quando a criança tinha sete anos e meio, por mim e pelo médico.
            Durante tantos anos atendendo essa criança e, posteriormente, atendendo outras crianças autistas, fui percebendo como cada criança vai encarando e lidando com seu próprio autismo. Esse menininho me mostrou o quanto ele ia encontrando recursos para enfrentar suas limitações e a perceber que ele também tinha potencialidades. Sua dificuldade em falar, muitas vezes, era substituída pela escrita. Assim, ele produzia, durante as sessões, materiais desenhados e escritos, realmente incríveis. Ele produzia histórias, construía livros, e dessa forma, ia revelando sua subjetividade para mim. Aos poucos, o discurso foi melhorando e atualmente ele se coloca, oralmente, muito melhor, porém, quando tem muita dificuldade e me explicar alguma coisa pede para mostrar um vídeo na internet para esclarecer o tema. Enfatizo ainda, que a disponibilidade da mãe com o tratamento da criança, sempre presente nas entrevistas comigo e sempre buscando pensar e refletir sobre a questão do filho, foi fundamental para um bom percurso do tratamento.
            Uma autista famosa chamada Temple Grandin, através de seus livros, publicações e palestras, pôde deixar vir à tona a grande capacidade, muitas vezes, silenciada e escondida dos autistas. Muitas das conquistas de Temple vieram justamente, por ela ser autista. Temple Grandin  tem mestrado e doutorado em zoologia e mais de quatrocentos artigos publicados em sua área de especialização. Para quem se interessar por essa história fantástica, existe um filme sobre a vida de Temple Grandin, cujo título é seu nome próprio.
            Encerrando o artigo cito outra autista chamada Carley Fleischmann, que também escreveu um livro. Até a adolescência Carley não emitia nenhuma palavra. Os parentes de Carley desconheciam o fato de que ela sabia escrever, até que, um dia, ela deixou uma mensagem no computador com as palavras “dor” e “ajuda”. A partir desse dia Carley nunca mais deixou de escrever e, escreveu um livro com a ajuda do pai. Sobre sua experiência, Carley diz: “O autismo me trancou em um corpo que eu não posso controlar”, e ainda: “As pessoas têm muita de suas informações vinda dos chamados especialistas, mas eu acho que esses especialistas não conseguem dar uma explicação a algumas questões”. *
            Carley nos ensina que os autistas devem ser escutados, ou lidos, já que a maioria deles tem facilidade em escrever do que falar. Independente da especialidade que irá tratar um sujeito autista é digno que ele possa fazer parte do tratamento, de modo que se expressem e participem ativamente.  Assim, a psicanálise é um tratamento possível para autistas? Enquanto possibilitar um espaço em que o sujeito autista posso se colocar e expressar, acho que a psicanálise tem um papel determinante.
Os autistas têm muito a nos ensinar...

*As falas de Carley foram retiradas de um blog da revista Super Interessante: http://super.abril.com.br/blogs/como-pessoas-funcionam/entenda-e-experimente-como-funciona-a-mente-de-um-autista-com-a-ajuda-de-uma-adolescente-que-sofre-dessa-condicao/




terça-feira, 6 de outubro de 2015

Queixa escolar: a escola que adoece

                Muito tenho pensado sobre as queixas escolares que recebo no consultório. As crianças são encaminhas para médicos, psicólogos, fonoaudiólogos com suspeita de terem déficit de atenção e/ou hiperatividade, ou algum outro problema que as impeça de aprender.
            Em avaliação com as crianças, com queixa escolar, percebo o quanto elas têm recursos cognitivos e total capacidade de aprender. Emocionalmente, muitas vezes, essas crianças também não parecem ter qualquer tipo de inibição, assim, por que elas não aprendem? Para mim essa questão tem sido cada dia, mais inquietadora, o que me leva a questionar o sistema escolar.
            É fato que o sistema escolar está ultrapassado. As disciplinas, a metodologia, a didática. O sistema de ensino parece não se adequar, às mudanças sociais, tecnológicas, e econômicas.
            Considero o currículo escolar inadequado, pois permanece o mesmo desde há muito tempo. Os alunos não têm espaço de criação, busca do conhecimento, de forma que, a criança deve se adaptar a fórceps ao currículo, e aquelas que não se adequarem provavelmente terão uma consulta marcada com o psicólogo e neuropediatra.
            Por que a escola não abre espaço para criação, discussões sobre economia, empreendedorismo, política, e outras experiências fora do atual currículo? Por que o conhecimento mais enfatizado está no currículo formal? Saímos da escola e nos questionamos, para que serviu tudo isso? Onde vou aplicar esses conhecimentos? Conhecimentos que muitas vezes não têm absolutamente nada a ver com as afinidades do sujeito, assim, ele sai da escola e a partir das experiências, fora da escola, seu conhecimento, de fato, começará a se formar. A escola não dá espaço para a individualidade, para que as crianças conheçam suas verdadeiras habilidades, para que possam imprimir seus talentos e aptidões. A escola oprime, deprime, faz com o sujeito se sinta incapaz, principalmente àqueles que não conseguem atingir as expectativas do sistema de ensino.
            As crianças que são encaminhadas para médicos e psicólogos são na verdade, crianças brilhantes, crianças criativas, crianças inovadoras que não têm espaço para expor suas potencialidades. Essas potencialidades devem assim, ser reprimidas. A criança deve se adaptar, mas essa adaptação tem um alto custo, a doença.
            Não estou negando o fato de algumas crianças terem algum tipo de inibição emocional que possa afetar a aprendizagem. Esses casos existem e precisam de acompanhamento, porém, me chama muito atenção o excessivo número de crianças que são encaminhadas para médicos e psicólogos. Elas são todas doentes? Será que estamos falando de uma epidemia? Só consigo imaginar, que tais encaminhamentos se tratam de uma epidemia que está atingindo as crianças na modernidade.
            Crianças sem espaço na escola se tornam crianças doentes e por consequência adultos doentes. Essa dificuldade de adequação causa à criança um grande sofrimento. Ela não consegue corresponder às expectativas e por consequência, se sente fracassada e incapaz. Constrói uma identidade em trono de um fracasso, que nem mesmo é real. A partir disso uma demanda para tratamento realmente se constrói. Essas crianças se tornam inseguras, estressadas, com fobia à escola e com medo de cometerem erros e serem repreendidas.
            O erro faz parte do processo de aprendizagem, é um indicativo de nossa forma de ser, de nossas habilidades e o que devemos melhorar. Lidar com estas questões como uma patologia, pode ter consequências avassaladoras para as crianças.

            Vamos permitir as crianças serem criativas e inovadores, em vez de serem crianças doentes. Que lugar vale mais a pena?