Sem sombra de dúvidas a
maior demanda que recebo em atendimento com crianças está relacionada à queixa
escolar, dividida entre duas principais queixas: problemas de aprendizagem e
comportamento.
Muito tenho pensado sobre o perfil dessas queixas e o
quanto elas tem sido cada vez mais frequentes. A maioria das crianças, com queixa
de dificuldade de aprendizagem, tem entre seis e sete anos, estão no primeiro
ano do ensino fundamental e não estão alfabetizadas. O encaminhamento da
escola, normalmente, é acompanhado de um relatório. Os relatórios costumam ser
quase um padrão entre as escolas, com algumas afirmações como: ainda não está
alfabetizado, brinca durante a aula, é muito disperso, não se concentra para
fazer a lição, provoca os colegas. Essa é a base das características que é
designada a essas crianças.
Quando leio os relatórios sempre me pergunto: mas o que
tem de errado nisso? Uma criança de seis anos não quer brincar? Uma criança de
seis anos vai ficar quietinha? Uma criança de seis anos tem que estar,
necessariamente, alfabetizada?
Todas estas questões me remetem a outra: a antecipação do
ensino fundamental. Quando eu tinha seis anos eu estava na pré-escola, hoje as
crianças estão no primeiro ano do ensino fundamental. Na educação infantil o
que mais caracteriza o ambiente escolar é o lúdico. As estratégias pedagógicas
estão voltadas para brincadeiras, pois o que uma criança da educação infantil
mais quer, é brincar. A criança deve de fato, brincar, pois, brincar faz parte
da sua constituição subjetiva, através do brincar ela lida com seu mundo
interno, elabora conflitos, conta sobre a vida, assim, o que toda criança deve
fazer é brincar e quando leio em um relatório que uma criança de seis anos quer
brincar, fico muito satisfeita, pois uma criança de seis anos deve querer
brincar.
Por que uma criança de seis anos não pode mais brincar?
Acredito que este fato só tenha antecipado o fracasso escolar, que ainda mais
cedo, as crianças são consideradas incapazes em aprender.
Durante o atendimento quando estou pintando ou brincando
de massinha com a criança, recorrentemente, algumas me dizem: “quando eu ia à
Emei (educação infantil), eu pintava e brincava de massinha. Agora não, só faço
lição”. Que triste afirmação! Que triste uma criança de seis anos não pintar e
não brincar de massinha, agora ela só faz lição e o desempenho acadêmico é mais
exigente, a criança é pressionada, os pais são pressionados.
Acredito que essa quantidade, quase epidêmica, de
encaminhamentos de crianças feita pelas escolas, para consultórios de
psicologia, na verdade, revelam não um sintoma da criança, mas um sintoma de um
sistema educacional que urgentemente precisa ser tratado.