terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A queixa escolar que invade os consultórios de psicologia

        Sem sombra de dúvidas a maior demanda que recebo em atendimento com crianças está relacionada à queixa escolar, dividida entre duas principais queixas: problemas de aprendizagem e comportamento.
            Muito tenho pensado sobre o perfil dessas queixas e o quanto elas tem sido cada vez mais frequentes. A maioria das crianças, com queixa de dificuldade de aprendizagem, tem entre seis e sete anos, estão no primeiro ano do ensino fundamental e não estão alfabetizadas. O encaminhamento da escola, normalmente, é acompanhado de um relatório. Os relatórios costumam ser quase um padrão entre as escolas, com algumas afirmações como: ainda não está alfabetizado, brinca durante a aula, é muito disperso, não se concentra para fazer a lição, provoca os colegas. Essa é a base das características que é designada a essas crianças.
            Quando leio os relatórios sempre me pergunto: mas o que tem de errado nisso? Uma criança de seis anos não quer brincar? Uma criança de seis anos vai ficar quietinha? Uma criança de seis anos tem que estar, necessariamente, alfabetizada?
            Todas estas questões me remetem a outra: a antecipação do ensino fundamental. Quando eu tinha seis anos eu estava na pré-escola, hoje as crianças estão no primeiro ano do ensino fundamental. Na educação infantil o que mais caracteriza o ambiente escolar é o lúdico. As estratégias pedagógicas estão voltadas para brincadeiras, pois o que uma criança da educação infantil mais quer, é brincar. A criança deve de fato, brincar, pois, brincar faz parte da sua constituição subjetiva, através do brincar ela lida com seu mundo interno, elabora conflitos, conta sobre a vida, assim, o que toda criança deve fazer é brincar e quando leio em um relatório que uma criança de seis anos quer brincar, fico muito satisfeita, pois uma criança de seis anos deve querer brincar.
            Por que uma criança de seis anos não pode mais brincar? Acredito que este fato só tenha antecipado o fracasso escolar, que ainda mais cedo, as crianças são consideradas incapazes em aprender.
            Durante o atendimento quando estou pintando ou brincando de massinha com a criança, recorrentemente, algumas me dizem: “quando eu ia à Emei (educação infantil), eu pintava e brincava de massinha. Agora não, só faço lição”. Que triste afirmação! Que triste uma criança de seis anos não pintar e não brincar de massinha, agora ela só faz lição e o desempenho acadêmico é mais exigente, a criança é pressionada, os pais são pressionados.

            Acredito que essa quantidade, quase epidêmica, de encaminhamentos de crianças feita pelas escolas, para consultórios de psicologia, na verdade, revelam não um sintoma da criança, mas um sintoma de um sistema educacional que urgentemente precisa ser tratado. 


terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Entre a doença e a existância: uma reflexão sobre os dilemas em saúde mental

            A reflexão que proponho tem a ver tanto com a clínica com crianças como a de adultos. O que leva um sujeito a procurar um atendimento psicológico? A diferença entre criança e adulto é que a criança é levada pelos pais e tem a queixa formulada pelos mesmos.
            Tanto os pacientes adultos, quanto os pais das crianças parecem procurar um psicólogo para a cura de uma doença. Estão presos a um diagnóstico e nos sintomas que estão sentido. O diagnóstico parece de certa forma, sinalizar o sintoma e a expectativa diante do tratamento psicológico.
        Eu, particularmente, prefiro encarar o sofrimento em saúde mental, como um problema relacionado à existência e não a doença. Entendo que o sintoma tem uma forte relação com a existência e não a doença. A queixa do sujeito se relaciona a sua existência e não a doença. Estar preso à doença, provavelmente, fará com que o sujeito fique engessado no mesmo lugar, para o deslocamento, é importante que questione a própria existência e por consequência, avalie a responsabilidade que tem diante do sintoma.
            Um sujeito adulto deve questionar suas relações, sua postura diante do outro e da vida, suas escolhas e isso tem a ver com a existência e conforme o percurso de cada um, pode trazer muito sofrimento ao sujeito. Com a criança devemos questionar como os pais estão se posicionando diante do filho. Coloca limites? Estabelece regras? Acompanha a vida escolar? Incentiva a independência? Ensina esperar? Mostra para os filhos que não estão cem por cento disponíveis para eles? Oferece afeto? Enfim, muitas outras questões estão em cheque nesse momento. Devemos assim, mostrar aos pais, que o sintoma dos filhos tem total e absoluta relação com eles mesmos e não única e exclusivamente com a criança.
            Através do atendimento com as histéricas, Freud já nos sinalizava a importância da palavra do sujeito em sofrimento psíquico. Através da palavra o sujeito faz uma articulação entre o sofrimento e a existência e passa a se responsabilizar sobre o próprio sintoma, assim, sai da condição se vítima para a condição de protagonista de sua existência.

            Deixamos a doença para a clínica psiquiátrica, já a existência, acredito fazer parte da clínica psicanalítica, da clínica que convoca o sujeito a responder em lugar do sintoma, da clínica que acolhe a dor, mas que não pode deixar de falar sobre ela. Para quem estiver disposto, seja bem vindo!