terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A queixa escolar que invade os consultórios de psicologia

        Sem sombra de dúvidas a maior demanda que recebo em atendimento com crianças está relacionada à queixa escolar, dividida entre duas principais queixas: problemas de aprendizagem e comportamento.
            Muito tenho pensado sobre o perfil dessas queixas e o quanto elas tem sido cada vez mais frequentes. A maioria das crianças, com queixa de dificuldade de aprendizagem, tem entre seis e sete anos, estão no primeiro ano do ensino fundamental e não estão alfabetizadas. O encaminhamento da escola, normalmente, é acompanhado de um relatório. Os relatórios costumam ser quase um padrão entre as escolas, com algumas afirmações como: ainda não está alfabetizado, brinca durante a aula, é muito disperso, não se concentra para fazer a lição, provoca os colegas. Essa é a base das características que é designada a essas crianças.
            Quando leio os relatórios sempre me pergunto: mas o que tem de errado nisso? Uma criança de seis anos não quer brincar? Uma criança de seis anos vai ficar quietinha? Uma criança de seis anos tem que estar, necessariamente, alfabetizada?
            Todas estas questões me remetem a outra: a antecipação do ensino fundamental. Quando eu tinha seis anos eu estava na pré-escola, hoje as crianças estão no primeiro ano do ensino fundamental. Na educação infantil o que mais caracteriza o ambiente escolar é o lúdico. As estratégias pedagógicas estão voltadas para brincadeiras, pois o que uma criança da educação infantil mais quer, é brincar. A criança deve de fato, brincar, pois, brincar faz parte da sua constituição subjetiva, através do brincar ela lida com seu mundo interno, elabora conflitos, conta sobre a vida, assim, o que toda criança deve fazer é brincar e quando leio em um relatório que uma criança de seis anos quer brincar, fico muito satisfeita, pois uma criança de seis anos deve querer brincar.
            Por que uma criança de seis anos não pode mais brincar? Acredito que este fato só tenha antecipado o fracasso escolar, que ainda mais cedo, as crianças são consideradas incapazes em aprender.
            Durante o atendimento quando estou pintando ou brincando de massinha com a criança, recorrentemente, algumas me dizem: “quando eu ia à Emei (educação infantil), eu pintava e brincava de massinha. Agora não, só faço lição”. Que triste afirmação! Que triste uma criança de seis anos não pintar e não brincar de massinha, agora ela só faz lição e o desempenho acadêmico é mais exigente, a criança é pressionada, os pais são pressionados.

            Acredito que essa quantidade, quase epidêmica, de encaminhamentos de crianças feita pelas escolas, para consultórios de psicologia, na verdade, revelam não um sintoma da criança, mas um sintoma de um sistema educacional que urgentemente precisa ser tratado. 


terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Entre a doença e a existância: uma reflexão sobre os dilemas em saúde mental

            A reflexão que proponho tem a ver tanto com a clínica com crianças como a de adultos. O que leva um sujeito a procurar um atendimento psicológico? A diferença entre criança e adulto é que a criança é levada pelos pais e tem a queixa formulada pelos mesmos.
            Tanto os pacientes adultos, quanto os pais das crianças parecem procurar um psicólogo para a cura de uma doença. Estão presos a um diagnóstico e nos sintomas que estão sentido. O diagnóstico parece de certa forma, sinalizar o sintoma e a expectativa diante do tratamento psicológico.
        Eu, particularmente, prefiro encarar o sofrimento em saúde mental, como um problema relacionado à existência e não a doença. Entendo que o sintoma tem uma forte relação com a existência e não a doença. A queixa do sujeito se relaciona a sua existência e não a doença. Estar preso à doença, provavelmente, fará com que o sujeito fique engessado no mesmo lugar, para o deslocamento, é importante que questione a própria existência e por consequência, avalie a responsabilidade que tem diante do sintoma.
            Um sujeito adulto deve questionar suas relações, sua postura diante do outro e da vida, suas escolhas e isso tem a ver com a existência e conforme o percurso de cada um, pode trazer muito sofrimento ao sujeito. Com a criança devemos questionar como os pais estão se posicionando diante do filho. Coloca limites? Estabelece regras? Acompanha a vida escolar? Incentiva a independência? Ensina esperar? Mostra para os filhos que não estão cem por cento disponíveis para eles? Oferece afeto? Enfim, muitas outras questões estão em cheque nesse momento. Devemos assim, mostrar aos pais, que o sintoma dos filhos tem total e absoluta relação com eles mesmos e não única e exclusivamente com a criança.
            Através do atendimento com as histéricas, Freud já nos sinalizava a importância da palavra do sujeito em sofrimento psíquico. Através da palavra o sujeito faz uma articulação entre o sofrimento e a existência e passa a se responsabilizar sobre o próprio sintoma, assim, sai da condição se vítima para a condição de protagonista de sua existência.

            Deixamos a doença para a clínica psiquiátrica, já a existência, acredito fazer parte da clínica psicanalítica, da clínica que convoca o sujeito a responder em lugar do sintoma, da clínica que acolhe a dor, mas que não pode deixar de falar sobre ela. Para quem estiver disposto, seja bem vindo!


terça-feira, 24 de novembro de 2015

Em busca da criança perfeita

           Aproveitando meu texto da semana passada, em que eu discutia sobre a necessidade da criança fazer psicoterapia, me fez pensar sobre a condição da criança nos dias de hoje. Tal reflexão me deslocou para os tempos em que eu era criança e inevitavelmente, me levou a uma comparação entre esses dois tempos.
            Minha infância se passou nos anos 80, uma parte dela, passei no interior do estado de Minas Gerais, outra parte no interior do estado de São Paulo. Esse momento de minha vida foi muito proveitoso, cheia de brincadeiras, amigos, travessuras, guloseimas de vó, aniversário na área de serviço com bolo de brigadeiro feito pela mãe, com um design torno, e docinhos que ajudávamos a enrolar e depois armazenávamos em várias caixas de camisas.
            A rua era nosso ponto de encontro, a vizinhança toda se encontrava lá, tanto os adultos, como as crianças. Os adultos conversavam e as crianças brincavam. Não víamos o tempo passar. De vez em quando éramos surpreendidos com algum lanche que minha mãe ou a mãe de outra criança preparava pra gente. Ninguém perguntava o que a gente queria comer, mas mesmo assim, devorámos tudo. Eu diria que o cenário de minha infância era bem feliz. Porém, não quero dizer com isso que éramos menos traumatizados, menos problemáticos, menos birrentos e menos chatos.
            É claro que o cenário atual, com muita interferência da tecnologia, faz com que as crianças de hoje, tenham uma realidade absolutamente diferente para vivenciar a infância e acredito que essa diferença, tenha consequências subjetivas, porém, não é esse o ponto que quero destacar. O ponto que quero destacar é a diferença do olhar do adulto sobre a criança.
            O olhar dos pais, que se diferencia nesses dois tempos, tem a ver com certa influência tecnicista sobre a criança. O que quero dizer com isso, é que me parece que o parecer técnico sobre a criança tem mais importância do que o conhecimento dos pais sobre seus filhos. Na década de 80 se fazíamos uma birra, os pais se posicionavam de forma incisiva, se tínhamos problemas na escola, contratavam o professor particular, se tínhamos algum medo nos incentivavam a enfrentar. Nossos momentos de escolhas eram raros, pouco escolhíamos sobre o que íamos comer, a hora que íamos dormir ou tomar banho, essas regras eram, quase sempre, bem estabelecidas. E se não nos deixavam sair para brincar não havia cristo que os convencia do contrário. O que quero mencionar com esses exemplos é que os pais decidiam, sem medo, sobre a vida de seus filhos.
            A comparação que faço com os dias de hoje é justamente a insegurança que os pais têm em intervir com os filhos. Têm dificuldade em estabelecer regras, limites e determinações. O campo das escolhas passou a pertencer muito mais às crianças do que aos próprios adultos. Nesse sentido os pais se sentem mais inseguros com os filhos, e todo comportamento da criança passa a ser problemático ou até mesmo patológico, nesse sentido, o apoio de algum profissional vem de encontro a angustia dos pais.
            Através das queixas dos pais, no consultório, tenho a sensação de que eles estão em busca da criança perfeita. Uma criança que não faça birra, que não chore, que não tenha medo, que goste de comer brócolis, que goste de ler, que tenha amigos e que não tenha ciúmes de seu irmão. O problema é que todas essas demandas apresentadas, com certo desespero pelos pais, são na verdade, demandas que eles mesmos devem lidar. As crianças são seres imperfeitos, em formação, que precisam de suporte emocional para enfrentar cada etapa da vida, esse suporte, imprescindivelmente, deve ser oferecido pelos pais e isso se chama educação.
            Quais caminhos os pais devem seguir para a educação de seus filhos? O conselho que eu daria é: siga sua intuição, essa, não falha nunca.




terça-feira, 17 de novembro de 2015

Psicoterapia com crianças não é adaptação de comportamento: quando uma criança necessita de psicoterapia?

         Cada vez mais, e cada vez mais jovens, as crianças estão sendo encaminhadas para psicoterapia. Algumas dessas crianças têm apenas um ano meio, dois anos e já estão sendo levadas para atendimento com psicólogo. A pergunta é: essas crianças, de fato, necessitam de acompanhamento psicológico?
               É claro que para desenvolver esta pergunta estarei atravessada pelo olhar da psicanálise, que pode ser diferente de outras linhas de psicoterapia/psicologia. Assim, insisto na questão: quando a criança precisa de psicoterapia?
       O maior motivo de encaminhamento para psicólogo tem a ver com uma demanda comportamental ou cognitiva da criança como: agitação, desobediência, dificuldade em obedecer a regras na escola e em casa, dificuldade de aprendizagem, medo, ansiedade, enurese, encoprese.
            Ao ouvir a queixa dos pais devemos estar atentos ao que o sintoma da criança responde. Muitas vezes, os pais chegam ao consultório, com um pedido de que o sintoma presente na criança desapareça. Se ela não consegue aprender, que aprenda, se ela tem medo, que se torne corajosa, se ela não se comporta bem, que passe a se comportar. Perceber-se também, na narrativa dos pais, que ao falar de seus filhos, não mantêm nenhum tipo de correlação entre eles e o sintoma da criança. Assim, muitas vezes, o pedido dos pais parece como uma solicitação de que os filhos precisem ser “consertados”.
            Ser analista de crianças exige muito cuidado e atenção, quanto à escuta da real necessidade de psicoterapia para o pequeno paciente. As crianças não vão buscar psicoterapia por conta própria, elas não apresentam a queixa pelo qual estão em um consultório psicológico, isso é feito por seus pais. O psicoterapeuta deve estar atento ao discurso dos pais, porém, não devemos tomá-lo como a verdade que irá conduzir nosso trabalho, pois o mais importante está por vir: a escuta da criança.
            Assim retomo a questão inicial: quando uma criança precisa de psicoterapia? Ela precisa de psicoterapia quando ela mesma está acometida por algum tipo de sofrimento, quando ela mesma não consegue lidar com alguma situação, seja na escola, seja em casa, na relação com os pais, no campo da linguagem e no campo afetivo. Uma criança não precisa de psicoterapia quando seu sintoma/comportamento na verdade é um incomodo para os pais ou escola, quando pais ou escola não conseguem lidar com a criança. Muitas vezes, o sintoma ou comportamento da criança, para a mesma, não é um problema, ao contrário, pode ser uma saída para evitar o sofrimento.
            Vou dar um exemplo prático de uma situação em que a criança não necessita de psicoterapia. A criança foi encaminhada, pela escola, para avaliação psicológica por ter um temperamento difícil, por não aceitar regras e limites, por querer sempre mandar nas brincadeiras com os amigos. Em casa a criança também não aceita limites, impõe aos pais suas vontades, e quando recebe um não como resposta, promove um escândalo, até mesmo na rua, constrangendo os pais. Em avaliação com a criança, esta não demonstrava nenhum tipo de sofrimento ou dificuldade. Era uma criança que brincava normalmente. Expressava-se com facilidade, relatava sobre a família com tranquilidade, assim como a relação com a escola. A criança não reconhecia a queixa dos pais como problemática. De fato, a criança tinha dificuldade em aceitar algum tipo de imposição, durante a avaliação, como exemplo, não aceitava o fim da sessão, mas quando a analista insistia em colocar que a sessão devia ser encerrada, pois não havia mais tempo, ela acatava sem problemas.
            Nesse caso citado, à criança não apresentava nenhum tipo de demanda pessoal, que justificasse a psicoterapia. A demanda é exclusiva aos pais, e são eles, e não a psicóloga, que deveriam lidar com a questão. São os pais que deveriam mostrar à criança os limites, às regras e a necessidade em esperar, esse trabalho é dos pais e não pode ser terceirizado. Assim sendo, cabe uma orientação aos pais, e em alguns casos, sugestão de psicoterapia para os mesmos, mas a psicoterapia para a criança não é necessária.
            É importante destacar que análise para crianças não tem o propósito de adaptar o comportamento das mesmas. Não serve para deixá-las mais educadas, comportadas e estudiosas, esse papel é dos pais. Psicoterapia para crianças, assim como para adultos, é para ir de encontro a um sujeito que está em sofrimento e precisa ser escutado.
Encerro com uma citação do psicanalista francês Jacques Lacan no livro “Outros Escritos”, em “Nota sobre a criança”: “O sintoma – esse é o dado fundamental da experiência analítica – se define, nesse contexto, como representante da verdade”.
            Assim, o sintoma da criança, muitas vezes revela uma verdade familiar e não verdade exclusiva à criança.


           


           
             


terça-feira, 10 de novembro de 2015

Por favor, não deixem que seus filhos decidam o que comer!!!

           Uma questão que acho pertinente trazer para discussão é sobre um tema, no qual, cada vez mais, se torna recorrente para encaminhamento de crianças para a clínica psicológica: a obesidade infantil. Muitas crianças estão com sobrepeso, com exames médicos alterados e, até mesmo, algumas desenvolveram diabetes por conta da obesidade.
            Muitos encaminhamentos são justificados pela ansiedade da criança, o que ocasiona comer demais e por consequência, a obesidade. Os pais, em geral, narram que não conseguem controlar o apetite da criança, e nem o alimento que ela irá consumir. Normalmente, ao questionarmos o hábito alimentar da criança, percebemos que é muito ruim. Comida industrializada, refrigerantes, pouca fruta, legume e verduras. Outro ponto de destaque é que, os pais, também são, na maioria das vezes, obesos. Eles questionam a obesidade da criança sem, nem mesmo, por em questão a própria obesidade, como se o problema de sobrepeso fosse só da criança.
            Sabemos que a obesidade tem várias causas, má alimentação, problemas genéticos, hormonais, falta de exercícios físicos. Porém, nos casos que recebi a causa que eu colocaria em destaque, sem sombra de dúvidas, seria a má alimentação.             As crianças estão decidindo o que comer, que horas comer e onde comer, uma decisão que cabe aos pais, não a criança.
            Recentemente assisti um documentário chamado: “muito além do peso”, sobre obesidade infantil. O documentário retrata crianças obesas com péssimos hábitos alimentares, aliado a permissividade e desinformação dos pais. Outro ponto em destaque seria a exploração do mercado publicitário, articulando a imagem de personagens infantis, que seduzem as crianças por meio das propagandas. Os pais relatam que lidar com o investimento desse mercado é quase impossível e quando as crianças insistem em consumir esses alimentos, não há como impedir.
            Devo reconhecer que o mercado publicitário é apelativo e sedutor, porém, não seria necessário que os pais enfrentem as investidas do mercado de consumo de produtos infantil? Menciono isso por considerar que, em muitas situações as crianças estão tomando a frente, fazendo escolhas e tomando decisões. Como já mencionei em outros artigos, as crianças não podem tomar decisões, elas são sujeitos em formação e não estão preparadas para isso.
            A alimentação de uma criança é algo muito importante e merece cuidados especiais. Acho praticamente impossível, que as crianças não consumam doces, refrigerantes, fast food, porém, os pais devem decidir o momento de consumir esses alimentos. A rotina de uma criança deve ser de uma alimentação saudável, isso irá influenciar em seu desenvolvimento físico e mental. Existem pesquisas científicas que analisam a influência de uma má alimentação com problemas de aprendizagem, assim, se seu filho está com um desempenho ruim na escola, esse sintoma pode ter relação com a alimentação.
            Há um tempo, os problemas de alimentação na infância, estavam muito mais relacionados com a desnutrição do que com a obesidade. Atualmente, sem dúvida, a obesidade se destaca, o que reflete o sintoma contemporâneo, o excesso se sobrepõe à falta. Os pais acreditam que devem oferecer tudo à criança e isso é prejudicial.
            Encerro com a citação do famoso cozinheiro francês Jean-Anthelme Brillat-Savarin: “Diz-me o que comes, dir-te-ei quem és”.
            Se alguém se interessar em assistir o documentário que citei, segue o link: https://www.youtube.com/watch?v=0v8ENF-lomI.




            

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Sobre a cena do menino que destruiu a escola

         Na semana passada nos deparamos com um vídeo nas redes sociais, em que uma criança destruía a sala de aula, enquanto professores e funcionários da escola filmavam a cena. Achei, particularmente, a iniciativa de filmar a criança, absolutamente inadequada, pior ainda, disponibilizar este vídeo na internet, expondo o aluno em questão, porém já que a cena está viralizando na internet, achei por bem comentá-la.
            Gostaria de destacar alguns pontos dessa cena. Os professores pareciam filmar, como forma de adquirir uma prova do comportamento inadequado do aluno. Este ponto me chamou muita atenção. Como profissionais que, teoricamente estão preparados para lidar com crianças, simplesmente se paralisam diante de uma situação em que a criança está em “surto”? Por que ninguém pode conter a criança até que ela se acalme? Por que ninguém pode segurá-la e aos poucos, conversar com ela? Por que ninguém pode tentar intervir diante dessa situação? Eu mesma já contive diversas crianças em situação institucional. Muitas vezes, as crianças não sabem como lidar com algumas situações, porém, nós adultos e profissionais que trabalhamos com crianças, devemos estar preparados para tratar com esta demanda. Não lidamos só com crianças boazinhas, educadinhas, quietinhas e comportadas, devemos estar disponíveis para tratar com todo tipo de criança e as situações que podemos enfrentar no dia a dia, podem ser as mais inusitadas.
            Outro questionamento é: por que essa criança fez isso? Por que ela teve esse comportamento agressivo e violento? A partir dessas questões me deparei, nas páginas sociais, com diversas publicações com teorias que justificavam o comportamento do garoto, o que considero um absurdo, simplesmente, porque não sabemos porque ele fez isso e não podemos saber, até ouvir a criança e seus familiares. Teorias sobre o fato de que o aluno cometeu essa ação porque sofre violência dentro de casa e que, por consequência, o seu comportamento tem relação com essa violência, é simplesmente algo que não podemos afirmar. Teorias sobre o fato de que essa criança não tem educação em casa e será um futuro “bandidinho” também é precipitada, pois, estamos condenando uma criança que nem mesmo conhecemos.
Não sabemos o que esse garoto vivência e criar uma suposição para isso é simplesmente desconsiderar a escuta do menino e da família, o que acredito ser um ato preconceituoso e cheio de julgamentos. O que vejo no cotidiano das escolas e instituições que atendem crianças, são julgamentos do tipo: se essa criança se comporta assim é porque ela passa por isso, ou por aquilo, é porque a família dela é assim, ou assado.
Os que julgam que compreendem as crianças e se dizem defensores dos direitos das mesmas, ao analisarem a situação dessa criança e determinarem que o comportamento dela tenha relação com uma dada situação, que ela vivência em casa, estão sendo absolutamente precipitados.
Não descarto a possibilidade de o menino viver em um contexto de violência, não só em casa, assim como na comunidade em que está inserido. Já tive a oportunidade de trabalhar em uma instituição que atendia crianças e adolescentes em situação de rua, o que me lembrou muito o comportamento desse garoto. Os meninos dessa instituição não tinham noção de limite e respeito, pois, eles viviam na rua e a rua é um espaço público e livre, teoricamente, eles poderiam circular livremente nesse espaço. Já na instituição, tinham regras e limites e, muitas vezes, quando não concordavam com as regras, destruíam o que viam pela frente, frequentemente, tínhamos que contê-los. Porém, conseguíamos estabelecer, aos poucos, uma relação de confiança e reciprocidade, mas para isso acontecer, tínhamos que fazer uma aposta naquela criança, tínhamos que dar uma oportunidade para ela, tínhamos que ter paciência.
Outra possibilidade pode ser que a criança não viva em uma situação de falta (violência doméstica, ausência dos pais, descaso, abandono e outros tipos de negligência), mas uma situação de excesso (pais permissivos, que não impõem limites, que disponibilizam para a criança o que ela quer, no tempo que ela deseja).
Qual dessa situação fazia parte do contexto desse garoto? Ou será que não é nenhuma delas, mas alguma outra que não pude citar, por fazer parte do ambiente privado da família, ou até mesmo por fazer parte do âmbito institucional da escola, afinal, outro ponto a ser analisado nessa cena seria a relação do aluno com a escola.
Não podemos pré-julgar um comportamento de uma criança sem ouvi-la, sem conhecer o contexto que ela está inserida, sem conhecer a história de sua família.
As crianças não precisam ser julgadas, mas sim ouvidas. Mesmo quando a situação de pré-julgamento parece ser bem intencionada e politicamente correta.




terça-feira, 27 de outubro de 2015

Infância e consumo: por que as crianças querem tanto?

         Por que as crianças querem tanto? Por que as crianças pedem tanto? Por que as crianças consomem tanto?  O mercado de produtos infantis está cada vez maior. O mercado de consumo, já percebeu que as crianças são grandes e poderosas consumidoras. Mas como as crianças podem ser poderosas consumidoras se elas não trabalham, são dependentes economicamente e não tem poder de decisão?
            Estas questões são, de fato, instigantes se pensarmos na condição de dependente da criança. Mesmo dependendo da decisão do adulto para consumir, ela consume, e muito. A construção social da criança, ao longo da história, já teve diversos lugares e significações. Nem sempre as crianças tiveram tamanha importância social como na atualidade. Em outros momentos da história a criança era simplesmente desconsiderada, sem qualquer relevância. Hoje em dia, a posição social da criança é muito determinante, tanto é que estamos aqui falando delas, assim, a criança ocupa um lugar exclusivo de grande destaque.
            O reconhecimento social da criança, em certa medida, é importante, pois, o contrário, trazia para este período da vida, grande sofrimento e opressão. Há alguns anos as crianças eram tratantadas como propriedade dos pais, sofriam abusos e eram, muitas vezes, submetidas a tratamentos violentos o que ocasionava um grande trauma posterior ao sujeito adulto. Porém, nos dias atuais, podemos dizer que vivemos uma situação oposta. As crianças têm um excesso de poder, sendo exercido no âmbito familiar. A criança decide o que quer comer, o que vai ver na televisão, onde vai dormir e o que quer consumir. Os pais ficam submetidos aos desejos dos filhos o que também causa grandes transtornos. Hoje temos crianças obesas, que não brincam na rua - ficam assistindo televisão e jogando vídeo game - e que exigem muito a presença dos pais, não conseguem fazer quase nada sozinhas, não têm autonomia.
            O grande fator complicador desse cenário é que as crianças não têm condições de tomar decisões, pois elas são seres em formações e que, justamente por isso, não adquiriram a capacidade de discernir o bom do mal, o saudável do prejudicial, o excesso do escasso, por isso, devem ser orientadas. Aí está o papel fundamental dos pais: orientar, educar e preparar seus filhos para a vida.
            Bem e qual a relação do consumo infantil com o lugar da criança na sociedade? A criança tomou um lugar tão preponderante, que ela passou a decidir e exigir dos pais o que quer consumir. Quando a criança pede algo para os pais, seja um brinquedo, uma roupa, um acessório, alimentação, etc, os pais, praticamente, se sentem na obrigação de atender aos desejos dos filhos. Receiam que as crianças possam ficar frustradas com um não e muitas vezes, argumentam que o filho não aceita o não. Não aceita o não? Nesse argumento está a maior prova do poder de decisão das crianças, os pais possibilitam que as crianças definam, por conta própria, o que querem.

            O poder de consumo das crianças é oferecido pelos pais. É claro que numa sociedade consumista é impossível, não consumir, mas é importante que os pais decidam o que a criança deva consumir essa decisão não deve ser da criança. Os pais devem fazer essa avaliação a partir daquilo que será melhor para a criança, como exemplo, a alimentação adequada, horário de dormir, fazer a lição, brincar e estudar, enfim, toda a rotina da criança, e aquilo que ela irá consumir, deve ser pensado e definido pelos pais, propiciando o bem estar da criança, afinal, os pais tem a obrigação de cuidar e proteger seus filhos e essa função não pode ser transferida para mais ninguém.


terça-feira, 20 de outubro de 2015

E quando a separação acontece?

         Quando um casal se separa, a dor é compartilhada por toda a família. Não só as crianças sentem muito a separação dos pais, assim como os próprios pais, que precisam lidar com o fato de que toda a expectativa de felicidade, construção de uma família, planos para o futuro, acaba de ser destruído. Desta maneira, os pais devem novamente reconstruir suas vidas e lidar com a frustação do fim de um relacionamento.
            Muitos pais levam a criança para psicoterapia, por estarem em processo de separação e temem que algo possa repercutir na criança, mesmo quando a criança, em algumas situações, não apresenta alteração no comportamento. Na entrevista com a mãe ou o pai, percebo, algumas vezes, que a dor está muito maior para eles do que para a própria criança. Desta maneira, em situação de separação devemos estar muito atentos ao fato de como os pais estão encarando o momento. Muito da repercussão, nessa ocasião, tem a ver de como os pais estão lidando.
            Rancor, raiva, ressentimento, mágoa, são sentimentos que inevitavelmente os pais podem endereçar aos filhos, sem que tenham o controle sobre isso. Nesse processo a mãe pode agredir o pai, o pai difamar a mãe e assim os filhos ficam sofrendo com o destino dessa separação.
            Acredito que, muitas vezes, uma separação é inevitável. Os pais não conseguem conviver juntos, se agridem, se magoam e não mais desfrutam da presença do outro. As crianças presenciarem esse tipo de relação não é nada saudável, assim, é melhor que os pais assumam a impossibilidade de conviverem juntos, possibilitando, um ao outro, a chance de ser feliz. A separação é um direito que os pais têm, nunca temos a garantia de que um relacionamento irá dar certo. Mas os pais têm a responsabilidade de executar esse processo da melhor maneira possível para os filhos e, essa melhor maneira possível, tem a ver com um não agredir o outro. Uma criança sempre vai amar os pais da mesma maneira, assim, elas não querem ouvir falar mal de seu pai ou sua mãe.
            Rubem Alves escreveu um livro infantil que trata sensivelmente da separação entre os pais. O livro de tão poético, chega a ser difícil para o linguajar infantil, porém, a poesia ressoa aos ouvidos de forma tão singela que quando leio este livro para as crianças percebo o quanto elas são atingidas pela mensagem sem que eu explique muita coisa.
            A história retrata o amor da selva (pai) e do mar (mãe). Por serem de universos tão diferentes eles se apaixonaram um pelo outro, apaixonaram pelas diferenças da qual viviam e um queria explorar o universo do outro, assim, dessa paixão, nasceu uma criança. Primeiramente, o mar foi morar na selva, mas ela não conseguiu se adaptar e sentiu muita falta do ambiente marinho. Percebendo que o mar estava triste, a selva se disponibilizou a morar no mar. Mas dessa vez a selva que passou a ficar triste, pois ele não se adaptou ao mar e não conseguiu ficar afastado dos mistérios e encantos da selva.
            Percebendo que juntos eles estavam muito tristes resolvem se separar para que possam resgatar a felicidade que morava dentro deles. E a criança? Bem, a criança continua sendo selva e mar. Ela se sente a vontade no ambiente marinho e conhece cada detalhe da selva e isso nunca poderá ser mudado.
            Deixem que seus filhos sejam selva e mar, deixem que eles circulem no ambiente paterno e materno, sem medo ou receio em estar fazendo isso, dessa forma, a separação tende a ser o menos traumática.
            E se os pais não conseguem lidar com o momento da separação, que legitimamente, é um momento difícil, não hesitem em procurar ajuda que, muitas vezes, não é apenas para a criança, mas principalmente para os adultos.
           


            

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Autismo e Psicanálise: uma possibilidade de tratamento?

          A psicanálise encontra grande resistência, entre profissionais de saúde e pais de autistas, para tratamento de autistas. Médicos, pais de autistas, profissionais da educação, recomendam, declaradamente, o não tratamento de crianças autistas com psicanalistas, argumentam que é perda de tempo. Muito do ódio relacionado à psicanálise, para o tratamento de autistas, vem de um argumento de que psicanalistas culpam a mãe pelo autismo da criança. Outro ponto, é que a psicanálise não irá treinar o comportamento da criança, no sentido da substituição de comportamentos inadequados por adequados, o que muitos consideram inapropriado, argumentando que a criança autista, deve adaptar seu comportamento, para ter um convívio social mais apropriado e digno.
            Sou uma psicanalista que atende autistas. Fui apresentada ao autismo, não pela psicanalise, mas por um menininho que, para sempre, mudou minha vida. E é a partir da minha experiência com crianças autistas e em especial, com esse menininho, que me autorizo a falar sobre a relação da psicanálise e o autismo.
            É fato que a psicanálise enfatiza muito a relação mão-bebê. Isso não tem a ver só com a clínica com autismo, mas com a clínica com crianças de uma forma geral. O sintoma da criança, na maioria das vezes, tem forte relação com as demandas parentais e, através do sintoma, a criança responde às demandas dos pais. Assim, um tratamento psicanalítico com crianças, sempre convoca os pais, para que, junto com o psicanalista, possam refletir sobre o sintoma do filho, não no sentido de culpar os pais, mas acima de tudo responsabilizá-los. A culpa não pode caber no tratamento psicanalítico, pois àquilo que os pais convocam de seus filhos é inconsciente, então, não podemos culpar uma pessoa de algo que ela nem mesmo tem consciência de que está fazendo.
            O tratamento com autistas não poderia ser diferente. Os pais também serão convocados para uma reflexão sobre o que acontece com a criança, sobre como eles percebem e enxergam o filho, sobre como eles encaram o autismo da criança. Ter um filho autista é de uma exigência imensa, assim, acolher a demanda dos pais e escutar as fantasias, desejos, decepções que circulam diante do filho é de extrema importância.
            Como já mencionei fui apresentado ao autismo por uma criança autista. Na verdade, o diagnóstico de autismo demorou a se impor. A criança foi encaminhada para tratamento com uma suspeita de autismo, por não falar, por não fixar o olhar e por ser apegada a objetos. Apesar de todas as características de autismo, preferi não fechar o diagnóstico, pois a criança só tinha dois anos e meio. A dificuldade em fechar diagnóstico se tornou ainda mais árdua, pois no percurso do tratamento, a criança tinha uma melhora significativa, interagia cada vez melhor, não era mais apegada a nenhum tipo de objeto, porém a dificuldade da linguagem permanecia, apesar de estar falando muitas palavras e formulando frases pequenas, ainda tinha dificuldades em entrar no plano no discurso. O diagnóstico de autismo foi fechado quando a criança tinha sete anos e meio, por mim e pelo médico.
            Durante tantos anos atendendo essa criança e, posteriormente, atendendo outras crianças autistas, fui percebendo como cada criança vai encarando e lidando com seu próprio autismo. Esse menininho me mostrou o quanto ele ia encontrando recursos para enfrentar suas limitações e a perceber que ele também tinha potencialidades. Sua dificuldade em falar, muitas vezes, era substituída pela escrita. Assim, ele produzia, durante as sessões, materiais desenhados e escritos, realmente incríveis. Ele produzia histórias, construía livros, e dessa forma, ia revelando sua subjetividade para mim. Aos poucos, o discurso foi melhorando e atualmente ele se coloca, oralmente, muito melhor, porém, quando tem muita dificuldade e me explicar alguma coisa pede para mostrar um vídeo na internet para esclarecer o tema. Enfatizo ainda, que a disponibilidade da mãe com o tratamento da criança, sempre presente nas entrevistas comigo e sempre buscando pensar e refletir sobre a questão do filho, foi fundamental para um bom percurso do tratamento.
            Uma autista famosa chamada Temple Grandin, através de seus livros, publicações e palestras, pôde deixar vir à tona a grande capacidade, muitas vezes, silenciada e escondida dos autistas. Muitas das conquistas de Temple vieram justamente, por ela ser autista. Temple Grandin  tem mestrado e doutorado em zoologia e mais de quatrocentos artigos publicados em sua área de especialização. Para quem se interessar por essa história fantástica, existe um filme sobre a vida de Temple Grandin, cujo título é seu nome próprio.
            Encerrando o artigo cito outra autista chamada Carley Fleischmann, que também escreveu um livro. Até a adolescência Carley não emitia nenhuma palavra. Os parentes de Carley desconheciam o fato de que ela sabia escrever, até que, um dia, ela deixou uma mensagem no computador com as palavras “dor” e “ajuda”. A partir desse dia Carley nunca mais deixou de escrever e, escreveu um livro com a ajuda do pai. Sobre sua experiência, Carley diz: “O autismo me trancou em um corpo que eu não posso controlar”, e ainda: “As pessoas têm muita de suas informações vinda dos chamados especialistas, mas eu acho que esses especialistas não conseguem dar uma explicação a algumas questões”. *
            Carley nos ensina que os autistas devem ser escutados, ou lidos, já que a maioria deles tem facilidade em escrever do que falar. Independente da especialidade que irá tratar um sujeito autista é digno que ele possa fazer parte do tratamento, de modo que se expressem e participem ativamente.  Assim, a psicanálise é um tratamento possível para autistas? Enquanto possibilitar um espaço em que o sujeito autista posso se colocar e expressar, acho que a psicanálise tem um papel determinante.
Os autistas têm muito a nos ensinar...

*As falas de Carley foram retiradas de um blog da revista Super Interessante: http://super.abril.com.br/blogs/como-pessoas-funcionam/entenda-e-experimente-como-funciona-a-mente-de-um-autista-com-a-ajuda-de-uma-adolescente-que-sofre-dessa-condicao/




terça-feira, 6 de outubro de 2015

Queixa escolar: a escola que adoece

                Muito tenho pensado sobre as queixas escolares que recebo no consultório. As crianças são encaminhas para médicos, psicólogos, fonoaudiólogos com suspeita de terem déficit de atenção e/ou hiperatividade, ou algum outro problema que as impeça de aprender.
            Em avaliação com as crianças, com queixa escolar, percebo o quanto elas têm recursos cognitivos e total capacidade de aprender. Emocionalmente, muitas vezes, essas crianças também não parecem ter qualquer tipo de inibição, assim, por que elas não aprendem? Para mim essa questão tem sido cada dia, mais inquietadora, o que me leva a questionar o sistema escolar.
            É fato que o sistema escolar está ultrapassado. As disciplinas, a metodologia, a didática. O sistema de ensino parece não se adequar, às mudanças sociais, tecnológicas, e econômicas.
            Considero o currículo escolar inadequado, pois permanece o mesmo desde há muito tempo. Os alunos não têm espaço de criação, busca do conhecimento, de forma que, a criança deve se adaptar a fórceps ao currículo, e aquelas que não se adequarem provavelmente terão uma consulta marcada com o psicólogo e neuropediatra.
            Por que a escola não abre espaço para criação, discussões sobre economia, empreendedorismo, política, e outras experiências fora do atual currículo? Por que o conhecimento mais enfatizado está no currículo formal? Saímos da escola e nos questionamos, para que serviu tudo isso? Onde vou aplicar esses conhecimentos? Conhecimentos que muitas vezes não têm absolutamente nada a ver com as afinidades do sujeito, assim, ele sai da escola e a partir das experiências, fora da escola, seu conhecimento, de fato, começará a se formar. A escola não dá espaço para a individualidade, para que as crianças conheçam suas verdadeiras habilidades, para que possam imprimir seus talentos e aptidões. A escola oprime, deprime, faz com o sujeito se sinta incapaz, principalmente àqueles que não conseguem atingir as expectativas do sistema de ensino.
            As crianças que são encaminhadas para médicos e psicólogos são na verdade, crianças brilhantes, crianças criativas, crianças inovadoras que não têm espaço para expor suas potencialidades. Essas potencialidades devem assim, ser reprimidas. A criança deve se adaptar, mas essa adaptação tem um alto custo, a doença.
            Não estou negando o fato de algumas crianças terem algum tipo de inibição emocional que possa afetar a aprendizagem. Esses casos existem e precisam de acompanhamento, porém, me chama muito atenção o excessivo número de crianças que são encaminhadas para médicos e psicólogos. Elas são todas doentes? Será que estamos falando de uma epidemia? Só consigo imaginar, que tais encaminhamentos se tratam de uma epidemia que está atingindo as crianças na modernidade.
            Crianças sem espaço na escola se tornam crianças doentes e por consequência adultos doentes. Essa dificuldade de adequação causa à criança um grande sofrimento. Ela não consegue corresponder às expectativas e por consequência, se sente fracassada e incapaz. Constrói uma identidade em trono de um fracasso, que nem mesmo é real. A partir disso uma demanda para tratamento realmente se constrói. Essas crianças se tornam inseguras, estressadas, com fobia à escola e com medo de cometerem erros e serem repreendidas.
            O erro faz parte do processo de aprendizagem, é um indicativo de nossa forma de ser, de nossas habilidades e o que devemos melhorar. Lidar com estas questões como uma patologia, pode ter consequências avassaladoras para as crianças.

            Vamos permitir as crianças serem criativas e inovadores, em vez de serem crianças doentes. Que lugar vale mais a pena?


terça-feira, 29 de setembro de 2015

E quando nasce um irmão(a)?

          Muitas crianças apresentam comportamento de ciúmes com a chegada de um irmão (a). Mesmo quando ela pede para a mãe um irmão, ter, de fato um irmão, implica em muitas mudanças.
          Antes da chegada do irmão a criança era sozinha e tinha as atenções toda para ela, a partir da existência de um irmão, ela tem que aprender a dividir. Dividir a atenção dos pais e de toda a família, pois o novo membro da família, inevitavelmente, chamará toda atenção, afinal, ele é novidade.
         Com a chegada do irmão a mãe não vai poder oferecer tantos cuidados para o filho primogênito, afinal, ela tem que zelar por um recém-nascido, o que é uma tarefa de grande exigência. Por mais que a mãe tente dividir a atenção de forma igual, ela se frustrará com a tentativa, pois, o recém-nascido exigirá muito cuidado, é um bebê que acabou de chegar, que a mãe ainda não conhece, precisa se adaptar ao bebê. Muitas mães se frustram por não conseguirem equivaler à atenção entre o filho mais velho e o bebê que acabou de chegar.  Nesse sentido a presença do pai, ou outros membros da família, é muito importante. O pai tem condições de oferecer os cuidados que a mãe não consegue proporcionar à criança mais velha, e dessa maneira, ela pode entender que a mãe necessita cuidar do bebê.
            É claro que cada criança terá uma reação diante do nascimento de um irmão, principalmente, dependendo da idade da criança mais velha, se a diferença de idade entre a criança e o novo irmão é grande ou pequena. Se for grande a criança mais velha se acostumou há muitos anos a ser filho único, a ter a atenção só para si, se for pequena a criança mais velha também precisa de muita atenção e cuidado. Pai e mãe precisam administrar juntos, essa situação, essa função não é unicamente da mãe, como muitas vezes, acontecem nas famílias. A mãe não irá conseguir sozinha, lidar com a questão.
            Outro ponto muito recorrente é a criança mais velha ter comportamentos regredidos após o nascimento do irmão. Se parou de chupar chupeta, volta a chupar, se parou de fazer xixi na cama, volta a fazer, se parou de mamar na mamadeira, pede para a mãe a mamadeira novamente, algumas pedem, inclusive, para mamar no peito da mãe. É importante que os pais mostrem para a criança mais velha que há uma diferença de idade entre ela e seu novo irmãozinho. Assim, os pais não podem tratar as crianças de forma igual, por mais que a diferença de idade seja pequena, pois, o irmão mais velho já superou algumas questões em relação ao irmão mais novo e isso deve ser enfatizado para a criança. O irmão mais velho consegue fazer algumas coisas que o irmão mais novo não consegue. Desta maneira, com a chegada do irmão, os pais devem enfatizar a diferença que há entre os irmãos (diferença de idade, de gênero) e não tentar igualá-los, pois isso pode ser muito sofrido para a criança, que tentará ser de um jeito que ela não é.
            É também natural que o irmão mais velho deseje matar, eliminar, desaparecer com o irmão mais novo, pois o mais novo é considerado um sujeito que invadiu o espaço da criança mais velha, ou seja, um invasor. É normal, crianças mais velhas, dizer que gostariam que o irmão voltasse para a barriga da mãe, que fosse morar na casa de outra pessoa e até que morresse. É importante que os pais não se apavorem ou reprimam esse sentimento da criança mais velha. Devem acolher esse sentimento e ao mesmo tempo ajudar a criança a lidar, pois, o irmão mais novo não será eliminado de cena. Assim é importante dizer para criança: “Eu sei que está sendo difícil para você dividir seu espaço com seu irmão(a), pois você era sozinho e tinha tudo para você. Ter um irmão pode ser realmente muito chato em alguns momentos, mas também pode ser muito legal, pois agora você terá alguém para brincar. Também acredito que como irmão mais velho, você poderá ajudar seu irmão em muitas coisas, afinal, você já aprendeu coisas que seu irmão ainda deve aprender”.
            Reações diversas são absolutamente normais, entre as crianças, após o nascimento de um irmão. É fundamental que pai e mãe protagonizem as ações que levarão a criança mais velha a lidar melhor com o fato de ter um irmão e não ser mais sozinha. A chegada de um irmão, apesar de difícil, pode ser valiosa para a criança, a partir desse momento ela irá aprender uma valorosa lição: saber dividir.



            

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Como ensinar às crianças que existe dor?

Quando menciono a palavra dor, não me refiro a uma dor dramática, de uma situação trágica, que tenha acontecido na vida da criança, como morte, separação e grandes perdas. Refiro-me a dores cotidianas, a frustação, falta de dinheiro, desentendimento dos pais, mudança de cidade, etc.
            Muitas vezes os pais querem proporcionar para os filhos uma vida perfeita, ou quase perfeita. A questão é que estamos muito, mas muito longe da perfeição. Nossa vida é cheia de dificuldade, perrengues e limitações, assim, por que não permitir que as crianças participem dessas dificuldades? Por que poupar a criança da situação que a família está passando? Que o dinheiro está curto, que não dá pra comprar um grande presente de natal, apenas uma lembrancinha e que, aquele tênis da moda vai ter que ficar para ano que vem.
            Percebo os pais se queixando do quanto às crianças são ansiosas, do quanto elas não sabem esperar, do quanto elas querem tudo no tempo delas, assim, eles procuram um psicólogo para que a criança possa lidar com essa ansiedade, mas, essa tal ansiedade, tem a ver com o que?
            Talvez os próprios pais, ainda não tenham percebido que eles mesmos não estão ensinando a criança esperar, lidar com a dificuldade, ou seja, lidar com o que chamei no título desse artigo de dor. Quer colo? Ofereço colo. Quer a chupeta? Toma a chupeta. Quer ir ao McDonalds? Vamos ao McDonalds. Quer tal brinquedo? Ofereço tal brinquedo. Quer ir à Disney? Vou comprar a passagem.
            Como essas crianças vão lidar com a frustação? Como elas vão ter a noção da situação financeira de suas famílias? Como elas vão saber da realidade da qual fazem parte?
Parece que os pais se esforçam, enormemente, em proporcionar aos filhos um conto de fadas. Uma vida sem restrições, sem limites, sem frustações. A vida não é perfeita. Não é para mim, não é para você e nem para as crianças.
Para à criança não se pergunta o que ela quer comer, que horas ela quer dormir, o que ela quer ver na televisão, se ela quer sair com os pais ou não. Uma criança não tem condições de decidir, afinal, ela é um ser imaturo e ainda tem muitas coisas para aprender antes de tomar decisões.
Muitas vezes o que causa ansiedade na criança é que ela tem que decidir sem ter condições pra isso. Assim os pais devem decidir por ela, mesmo que isso cause transtornos para a criança, mesmo que a decisão dos pais não vá de encontro ao que a criança deseja, dessa forma, ela aprende a se frustrar e percebe que nem tudo é do jeito dela.
A dor existe e devemos conviver com ela.
Pra encerrar o artigo cito o título de uma obra de Rubem Alves: “Ostra feliz não faz pérola”, ou seja, através das frustações as crianças irão encontrar formas criativas para lidar com os problemas.

           

           



terça-feira, 15 de setembro de 2015

Problemas de aprendizagem?

Uma das queixas mais recorrentes para encaminhar crianças para acompanhamento psicológico é o fracasso escolar. Dificuldade de alfabetização é o problema mais comum, dentre os problemas de aprendizagem. Crianças com seis, sete, oito anos e até mais velhas, aparecem na clínica, encaminhadas pela escola, muitas vezes não alfabetizadas ou semi alfabetizadas. Mas qual o problema dessas crianças? Elas teriam realmente problemas para aprender? Elas teriam alguma incapacidade para concentração? Elas seriam muito agitadas, por isso não aprendem? Elas teriam algum problema neurológico que as impeça de aprender?
Percebo que a maioria dessas crianças não tem nenhum problema neurológico ou cognitivo que as incapacite em aprender. Assim, a pergunta persiste, por que não aprendem? No período de avaliação com elas, percebo a grande capacidade que têm para aprender, memorizar, argumentar, discutir alguma questão que as interesse. Porém, em situação de sala de aula, essa capacidade não aparece e o que realça são cadernos vazios, notas abaixo da média e ausência de participação em sala de aula. Dentro desse contexto, acredito que podemos refletir em dois pontos importantes que podem afetar em tal questão:
1-        Instituição Educacional – já passou da hora da instituição educacional                                    questionar a sua forma de atuação. É notório que o movimento que a educação faz é culpabilizar o aluno em vez de promover uma reflexão sobre o que pode ser mudado nessa relação. A educação tenta uniformizar os alunos de forma a exigir um desempenho semelhante entre eles, porém, dentro desta perspectiva, se perde de vista a singularidade do sujeito nesse processo, pois nem todas as crianças “funcionam” de forma igual. Por exemplo, uma criança de seis anos pode estar preparada ou não para o processo de alfabetização e não tem nada de errado nessa diferença. Outro ponto de destaque é a ausência dos meios de tecnologia em sala de aula. A internet não pode estar fora da sala de aula. As crianças já nascem inseridas nesse meio tecnológico, assim, já criam uma intimidade com o mesmo. Quando vão para a escola, onde está o computador? Onde estão os recursos tecnológicos? O conhecimento já não pode ser mensurado como há tempos atrás. Na minha época de criança, ter acesso ao conhecimento, só por meio da professora, ou através de uma pesquisa na biblioteca. Hoje em dia a criança já entra em sala de aula com um conhecimento prévio e isso não é explorado pelo professor, que é instruído a ficar preso em um cronograma e metodologias pré-estabelecidas. Assim questiono a vocês, essa escola é interessante para esses alunos?
2-               Responsabilizar as crianças sobre o processo de aprendizagem: em alguns casos percebo que os pais não têm responsabilizado seus filhos para aprender. Quem não estuda não aprende, quem não pesquisa não aprende, quem não se esforça não aprende, não é simples? Vejo os pais fazendo lição, fazendo pesquisa, organizando os cadernos dos filhos, mas isso não seria função das crianças. Não são as crianças que devem mostrar para os pais a lição feita? Os pais não deveriam apenas servir de suporte? Uma criança me disse uma vez que não entregou o dever de casa por culpa da mãe. Perguntei para a criança o que a mãe tinha a ver com a lição dela, ao que ela não excitou em responder que era a mãe que deveria realizar a lição. Para aprender é necessário ser responsável. Assumir minimamente a responsabilidade nesse processo é fundamental para adquirir conhecimento, pois ninguém pode aprender por nós, ninguém pode fazer esse serviço pra gente. Incentivar as crianças a buscar conhecimento é importante para que elas se sintam mais ativas nesse processo, para que percebem suas próprias habilidades e interesses. A criança que é responsabilizada por aprender, se sente mais curiosa e propícia a buscar seu próprio conhecimento.
Se analisarmos esses dois pontos atentamente, podemos nos deparar com questões contraditórias, como: a criança já tem um conhecimento prévio e a criança precisa ser incentivada a buscar o conhecimento. O acesso ao conhecimento, atualmente, está muito mais acessível do que na minha infância e, justamente, por essa facilidade as crianças perdem o interesse em buscar e se limitam a ficar atentas apenas àquilo que elas gostam, como jogos na internet.
A internet poderia ser uma aliada para incentivar às crianças a buscar o conhecimento, e não uma inimiga. Como diria o ditado, se você não pode vencer o inimigo junte-se a ele. O tempo passou e as ferramentas de ensino devem mudar, as escolas precisam se adequar a isso. Mas uma coisa permanece a mesma, sem esforço ninguém consegue nada.






terça-feira, 8 de setembro de 2015

Violência Psiquiátrica

Ultimamente tenho me deparado com frequência, com reportagens e artigos, sobre o tema violência obstétrica, na qual, se caracteriza por uma apropriação do corpo e processo reprodutivo das mulheres pelos profissionais de saúde. Acredito que tal tema seja pertinente e importante para ser discutido, porém, o termo violência obstétrica me faz pensar sobre um outro termo, tão importante quanto, a violência psiquiátrica, que se caracteriza pela  apropriação do sofrimento psíquico de um sujeito, ou seja, eu, como profissional de saúde mental, tenho a cura para seu sofrimento psíquico, sei mais sobre seu sofrimento do que você.
            Muito nos deparamos com sujeitos excessivamente medicados com psicotrópicos, além de imposições de profissionais de diversas áreas da saúde mental, para modos de tratamento. Pessoas que, a cada ano que passa, mais são medicadas e por consequência são ainda mais dependentes dos remédios. E o sofrimento psíquico como fica? E a reflexão sobre esse sofrimento? Com o que ele tem a ver? Por que o sujeito sofre? O que o sofrimento tem a ver com o sujeito? Parece que, para estes sujeitos, o sofrimento emocional não tem nada a ver com eles, como se estivesse fora deles, como se o remédio, ou algum tipo de tratamento, pudesse aplacar a dor e a angústia.
            Este cenário, que caracterizo, também não está diferente na clínica com crianças. Crianças também estão sendo excessivamente medicadas, com diagnóstico de depressão hiperatividade, dentre outros. Recentemente me deparei com um artigo que o Brasil era o segundo maior consumidor de Ritalina do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.
            Na clínica me deparo com muitas crianças medicadas, e afirmo sem medo, indevidamente medicadas. Os argumentos são sempre o comportamento inquieto, a falta de concentração e alguns casos de crianças diagnosticadas com depressão. O que percebo, muitas vezes, na clínica médica, é que essas crianças são medicadas sem nem ao menos serem ouvidas. Os médicos fazem breves perguntas aos pais e em dez minutos de consulta se autorizam a medicar a criança. Um caso, que me espantou no consultório, foi um médico que disse para a mãe de uma criança, com o diagnóstico de depressão, que ela seria medicada até os quinze anos. Mas afinal de contas, de onde ele tirou isso? Por que a criança foi condenada até os 15 anos a tomar medicação? Qual o argumento para isso? Na verdade não há argumentos, apenas uma clínica vazia de conceitos, fazia de escuta e fazia de humanidade.

            Lidar com saúde mental é lidar com o subjetivo. É lidar com aquilo que não é palpável, é lidar com a história de um sujeito, é lidar com uma dinâmica familiar, é lidar com um campo sem garantias. Assim, a investigação, a observação e a escuta são imprescindíveis. Em qualquer clínica que se pratique a saúde mental, sendo médica ou não, o sujeito deve ser ouvido, sendo, muitas vezes, um processo que não se esgotará em apenas um encontro. Independente de serem adultos ou crianças, esses sujeitos precisam ser ouvidos e acolhidos em seu sofrimento. Eu resumiria a clínica em saúde mental em apenas uma palavra: ESCUTA. 


terça-feira, 1 de setembro de 2015

Dormir com os pais

Uma peculiaridade que se destaca nos dias de hoje, na relação pais e filhos, é que, é cada vez mais comum os filhos dormirem na cama dos pais. Mas, por que será que estas crianças não estão ocupando seus quartos e suas camas? Por que elas insistem em dormir com os pais?
Recordo-me da minha própria infância, quando o quarto dos meus pais era um lugar que eu não tinha livre acesso, só entrava com permissão, assim como, o quarto dos pais dos meus amigos de infância. Também não me ocorre nenhum amigo, da época de criança, que dormia com os pais, nós tínhamos nosso quarto e sabíamos muito bem ocupá-lo. Assim sendo, o que caracteriza a queixa atual, de as crianças se recusarem a dormir em seus quartos?
Primeiramente os pais trazem a queixa de que as crianças não querem dormir sozinhas porque têm medo. Muitas vezes pergunto aos pais: medo de que? Eles não sabem exatamente me responder, me dizem apenas que elas têm medo. Também pergunto às crianças sobre o que elas têm medo, e da mesma forma, elas também não sabem me responder. Pode ser medo de ladrão, bicho papão, assombração, terremoto, morrer, etc. Nada mais do que normal que a criança seja invadida por uma série de medos, afinal, a vida não é cor de rosa, de fato, existem coisas ruins e perigosas na vida, e quanto mais às crianças crescem e naturalmente, se afastam da proteção dos pais, percebem isso, assim sendo, o medo faz parte do processo. Então, o que os pais devem fazer? Acolher o medo da criança, isso implicaria em deixa-la dormir no quarto dos pais, ou ajuda-la a enfrentar o medo, isso implicaria em determinar que a criança vá dormir no quarto dela.
Devemos ajudar a criança a dormir, no quarto que pertence a ela, dessa maneira a criança entende que o medo precisa ser enfrentado. Pais e criança podem encontrar uma forma de enfrentar o medo, como deixar uma luz acessa, dormir com um ursinho, deixar a porta aberta, etc.
A criança estar no quarto que é dela, também é importante, pelo fato de que ela possa compreender o lugar que ocupa na dinâmica familiar. Ela não é igual aos pais, ela não tem o mesmo direito que eles, ela é criança e filho, isso implica em uma grande diferença com os pais. Pais devem deixar que essa diferença realce, não podem deixar que os filhos acreditem que estejam na mesma condição dos pais.

As crianças devem ser interditadas, isso significa que devem entender que muitas coisas são proibidas (como dormir com os pais), que nem tudo é permitido, e isso tem tudo a ver com a percepção de limites, mas vamos deixar esse tema para outro post.