terça-feira, 24 de novembro de 2015

Em busca da criança perfeita

           Aproveitando meu texto da semana passada, em que eu discutia sobre a necessidade da criança fazer psicoterapia, me fez pensar sobre a condição da criança nos dias de hoje. Tal reflexão me deslocou para os tempos em que eu era criança e inevitavelmente, me levou a uma comparação entre esses dois tempos.
            Minha infância se passou nos anos 80, uma parte dela, passei no interior do estado de Minas Gerais, outra parte no interior do estado de São Paulo. Esse momento de minha vida foi muito proveitoso, cheia de brincadeiras, amigos, travessuras, guloseimas de vó, aniversário na área de serviço com bolo de brigadeiro feito pela mãe, com um design torno, e docinhos que ajudávamos a enrolar e depois armazenávamos em várias caixas de camisas.
            A rua era nosso ponto de encontro, a vizinhança toda se encontrava lá, tanto os adultos, como as crianças. Os adultos conversavam e as crianças brincavam. Não víamos o tempo passar. De vez em quando éramos surpreendidos com algum lanche que minha mãe ou a mãe de outra criança preparava pra gente. Ninguém perguntava o que a gente queria comer, mas mesmo assim, devorámos tudo. Eu diria que o cenário de minha infância era bem feliz. Porém, não quero dizer com isso que éramos menos traumatizados, menos problemáticos, menos birrentos e menos chatos.
            É claro que o cenário atual, com muita interferência da tecnologia, faz com que as crianças de hoje, tenham uma realidade absolutamente diferente para vivenciar a infância e acredito que essa diferença, tenha consequências subjetivas, porém, não é esse o ponto que quero destacar. O ponto que quero destacar é a diferença do olhar do adulto sobre a criança.
            O olhar dos pais, que se diferencia nesses dois tempos, tem a ver com certa influência tecnicista sobre a criança. O que quero dizer com isso, é que me parece que o parecer técnico sobre a criança tem mais importância do que o conhecimento dos pais sobre seus filhos. Na década de 80 se fazíamos uma birra, os pais se posicionavam de forma incisiva, se tínhamos problemas na escola, contratavam o professor particular, se tínhamos algum medo nos incentivavam a enfrentar. Nossos momentos de escolhas eram raros, pouco escolhíamos sobre o que íamos comer, a hora que íamos dormir ou tomar banho, essas regras eram, quase sempre, bem estabelecidas. E se não nos deixavam sair para brincar não havia cristo que os convencia do contrário. O que quero mencionar com esses exemplos é que os pais decidiam, sem medo, sobre a vida de seus filhos.
            A comparação que faço com os dias de hoje é justamente a insegurança que os pais têm em intervir com os filhos. Têm dificuldade em estabelecer regras, limites e determinações. O campo das escolhas passou a pertencer muito mais às crianças do que aos próprios adultos. Nesse sentido os pais se sentem mais inseguros com os filhos, e todo comportamento da criança passa a ser problemático ou até mesmo patológico, nesse sentido, o apoio de algum profissional vem de encontro a angustia dos pais.
            Através das queixas dos pais, no consultório, tenho a sensação de que eles estão em busca da criança perfeita. Uma criança que não faça birra, que não chore, que não tenha medo, que goste de comer brócolis, que goste de ler, que tenha amigos e que não tenha ciúmes de seu irmão. O problema é que todas essas demandas apresentadas, com certo desespero pelos pais, são na verdade, demandas que eles mesmos devem lidar. As crianças são seres imperfeitos, em formação, que precisam de suporte emocional para enfrentar cada etapa da vida, esse suporte, imprescindivelmente, deve ser oferecido pelos pais e isso se chama educação.
            Quais caminhos os pais devem seguir para a educação de seus filhos? O conselho que eu daria é: siga sua intuição, essa, não falha nunca.




terça-feira, 17 de novembro de 2015

Psicoterapia com crianças não é adaptação de comportamento: quando uma criança necessita de psicoterapia?

         Cada vez mais, e cada vez mais jovens, as crianças estão sendo encaminhadas para psicoterapia. Algumas dessas crianças têm apenas um ano meio, dois anos e já estão sendo levadas para atendimento com psicólogo. A pergunta é: essas crianças, de fato, necessitam de acompanhamento psicológico?
               É claro que para desenvolver esta pergunta estarei atravessada pelo olhar da psicanálise, que pode ser diferente de outras linhas de psicoterapia/psicologia. Assim, insisto na questão: quando a criança precisa de psicoterapia?
       O maior motivo de encaminhamento para psicólogo tem a ver com uma demanda comportamental ou cognitiva da criança como: agitação, desobediência, dificuldade em obedecer a regras na escola e em casa, dificuldade de aprendizagem, medo, ansiedade, enurese, encoprese.
            Ao ouvir a queixa dos pais devemos estar atentos ao que o sintoma da criança responde. Muitas vezes, os pais chegam ao consultório, com um pedido de que o sintoma presente na criança desapareça. Se ela não consegue aprender, que aprenda, se ela tem medo, que se torne corajosa, se ela não se comporta bem, que passe a se comportar. Perceber-se também, na narrativa dos pais, que ao falar de seus filhos, não mantêm nenhum tipo de correlação entre eles e o sintoma da criança. Assim, muitas vezes, o pedido dos pais parece como uma solicitação de que os filhos precisem ser “consertados”.
            Ser analista de crianças exige muito cuidado e atenção, quanto à escuta da real necessidade de psicoterapia para o pequeno paciente. As crianças não vão buscar psicoterapia por conta própria, elas não apresentam a queixa pelo qual estão em um consultório psicológico, isso é feito por seus pais. O psicoterapeuta deve estar atento ao discurso dos pais, porém, não devemos tomá-lo como a verdade que irá conduzir nosso trabalho, pois o mais importante está por vir: a escuta da criança.
            Assim retomo a questão inicial: quando uma criança precisa de psicoterapia? Ela precisa de psicoterapia quando ela mesma está acometida por algum tipo de sofrimento, quando ela mesma não consegue lidar com alguma situação, seja na escola, seja em casa, na relação com os pais, no campo da linguagem e no campo afetivo. Uma criança não precisa de psicoterapia quando seu sintoma/comportamento na verdade é um incomodo para os pais ou escola, quando pais ou escola não conseguem lidar com a criança. Muitas vezes, o sintoma ou comportamento da criança, para a mesma, não é um problema, ao contrário, pode ser uma saída para evitar o sofrimento.
            Vou dar um exemplo prático de uma situação em que a criança não necessita de psicoterapia. A criança foi encaminhada, pela escola, para avaliação psicológica por ter um temperamento difícil, por não aceitar regras e limites, por querer sempre mandar nas brincadeiras com os amigos. Em casa a criança também não aceita limites, impõe aos pais suas vontades, e quando recebe um não como resposta, promove um escândalo, até mesmo na rua, constrangendo os pais. Em avaliação com a criança, esta não demonstrava nenhum tipo de sofrimento ou dificuldade. Era uma criança que brincava normalmente. Expressava-se com facilidade, relatava sobre a família com tranquilidade, assim como a relação com a escola. A criança não reconhecia a queixa dos pais como problemática. De fato, a criança tinha dificuldade em aceitar algum tipo de imposição, durante a avaliação, como exemplo, não aceitava o fim da sessão, mas quando a analista insistia em colocar que a sessão devia ser encerrada, pois não havia mais tempo, ela acatava sem problemas.
            Nesse caso citado, à criança não apresentava nenhum tipo de demanda pessoal, que justificasse a psicoterapia. A demanda é exclusiva aos pais, e são eles, e não a psicóloga, que deveriam lidar com a questão. São os pais que deveriam mostrar à criança os limites, às regras e a necessidade em esperar, esse trabalho é dos pais e não pode ser terceirizado. Assim sendo, cabe uma orientação aos pais, e em alguns casos, sugestão de psicoterapia para os mesmos, mas a psicoterapia para a criança não é necessária.
            É importante destacar que análise para crianças não tem o propósito de adaptar o comportamento das mesmas. Não serve para deixá-las mais educadas, comportadas e estudiosas, esse papel é dos pais. Psicoterapia para crianças, assim como para adultos, é para ir de encontro a um sujeito que está em sofrimento e precisa ser escutado.
Encerro com uma citação do psicanalista francês Jacques Lacan no livro “Outros Escritos”, em “Nota sobre a criança”: “O sintoma – esse é o dado fundamental da experiência analítica – se define, nesse contexto, como representante da verdade”.
            Assim, o sintoma da criança, muitas vezes revela uma verdade familiar e não verdade exclusiva à criança.


           


           
             


terça-feira, 10 de novembro de 2015

Por favor, não deixem que seus filhos decidam o que comer!!!

           Uma questão que acho pertinente trazer para discussão é sobre um tema, no qual, cada vez mais, se torna recorrente para encaminhamento de crianças para a clínica psicológica: a obesidade infantil. Muitas crianças estão com sobrepeso, com exames médicos alterados e, até mesmo, algumas desenvolveram diabetes por conta da obesidade.
            Muitos encaminhamentos são justificados pela ansiedade da criança, o que ocasiona comer demais e por consequência, a obesidade. Os pais, em geral, narram que não conseguem controlar o apetite da criança, e nem o alimento que ela irá consumir. Normalmente, ao questionarmos o hábito alimentar da criança, percebemos que é muito ruim. Comida industrializada, refrigerantes, pouca fruta, legume e verduras. Outro ponto de destaque é que, os pais, também são, na maioria das vezes, obesos. Eles questionam a obesidade da criança sem, nem mesmo, por em questão a própria obesidade, como se o problema de sobrepeso fosse só da criança.
            Sabemos que a obesidade tem várias causas, má alimentação, problemas genéticos, hormonais, falta de exercícios físicos. Porém, nos casos que recebi a causa que eu colocaria em destaque, sem sombra de dúvidas, seria a má alimentação.             As crianças estão decidindo o que comer, que horas comer e onde comer, uma decisão que cabe aos pais, não a criança.
            Recentemente assisti um documentário chamado: “muito além do peso”, sobre obesidade infantil. O documentário retrata crianças obesas com péssimos hábitos alimentares, aliado a permissividade e desinformação dos pais. Outro ponto em destaque seria a exploração do mercado publicitário, articulando a imagem de personagens infantis, que seduzem as crianças por meio das propagandas. Os pais relatam que lidar com o investimento desse mercado é quase impossível e quando as crianças insistem em consumir esses alimentos, não há como impedir.
            Devo reconhecer que o mercado publicitário é apelativo e sedutor, porém, não seria necessário que os pais enfrentem as investidas do mercado de consumo de produtos infantil? Menciono isso por considerar que, em muitas situações as crianças estão tomando a frente, fazendo escolhas e tomando decisões. Como já mencionei em outros artigos, as crianças não podem tomar decisões, elas são sujeitos em formação e não estão preparadas para isso.
            A alimentação de uma criança é algo muito importante e merece cuidados especiais. Acho praticamente impossível, que as crianças não consumam doces, refrigerantes, fast food, porém, os pais devem decidir o momento de consumir esses alimentos. A rotina de uma criança deve ser de uma alimentação saudável, isso irá influenciar em seu desenvolvimento físico e mental. Existem pesquisas científicas que analisam a influência de uma má alimentação com problemas de aprendizagem, assim, se seu filho está com um desempenho ruim na escola, esse sintoma pode ter relação com a alimentação.
            Há um tempo, os problemas de alimentação na infância, estavam muito mais relacionados com a desnutrição do que com a obesidade. Atualmente, sem dúvida, a obesidade se destaca, o que reflete o sintoma contemporâneo, o excesso se sobrepõe à falta. Os pais acreditam que devem oferecer tudo à criança e isso é prejudicial.
            Encerro com a citação do famoso cozinheiro francês Jean-Anthelme Brillat-Savarin: “Diz-me o que comes, dir-te-ei quem és”.
            Se alguém se interessar em assistir o documentário que citei, segue o link: https://www.youtube.com/watch?v=0v8ENF-lomI.




            

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Sobre a cena do menino que destruiu a escola

         Na semana passada nos deparamos com um vídeo nas redes sociais, em que uma criança destruía a sala de aula, enquanto professores e funcionários da escola filmavam a cena. Achei, particularmente, a iniciativa de filmar a criança, absolutamente inadequada, pior ainda, disponibilizar este vídeo na internet, expondo o aluno em questão, porém já que a cena está viralizando na internet, achei por bem comentá-la.
            Gostaria de destacar alguns pontos dessa cena. Os professores pareciam filmar, como forma de adquirir uma prova do comportamento inadequado do aluno. Este ponto me chamou muita atenção. Como profissionais que, teoricamente estão preparados para lidar com crianças, simplesmente se paralisam diante de uma situação em que a criança está em “surto”? Por que ninguém pode conter a criança até que ela se acalme? Por que ninguém pode segurá-la e aos poucos, conversar com ela? Por que ninguém pode tentar intervir diante dessa situação? Eu mesma já contive diversas crianças em situação institucional. Muitas vezes, as crianças não sabem como lidar com algumas situações, porém, nós adultos e profissionais que trabalhamos com crianças, devemos estar preparados para tratar com esta demanda. Não lidamos só com crianças boazinhas, educadinhas, quietinhas e comportadas, devemos estar disponíveis para tratar com todo tipo de criança e as situações que podemos enfrentar no dia a dia, podem ser as mais inusitadas.
            Outro questionamento é: por que essa criança fez isso? Por que ela teve esse comportamento agressivo e violento? A partir dessas questões me deparei, nas páginas sociais, com diversas publicações com teorias que justificavam o comportamento do garoto, o que considero um absurdo, simplesmente, porque não sabemos porque ele fez isso e não podemos saber, até ouvir a criança e seus familiares. Teorias sobre o fato de que o aluno cometeu essa ação porque sofre violência dentro de casa e que, por consequência, o seu comportamento tem relação com essa violência, é simplesmente algo que não podemos afirmar. Teorias sobre o fato de que essa criança não tem educação em casa e será um futuro “bandidinho” também é precipitada, pois, estamos condenando uma criança que nem mesmo conhecemos.
Não sabemos o que esse garoto vivência e criar uma suposição para isso é simplesmente desconsiderar a escuta do menino e da família, o que acredito ser um ato preconceituoso e cheio de julgamentos. O que vejo no cotidiano das escolas e instituições que atendem crianças, são julgamentos do tipo: se essa criança se comporta assim é porque ela passa por isso, ou por aquilo, é porque a família dela é assim, ou assado.
Os que julgam que compreendem as crianças e se dizem defensores dos direitos das mesmas, ao analisarem a situação dessa criança e determinarem que o comportamento dela tenha relação com uma dada situação, que ela vivência em casa, estão sendo absolutamente precipitados.
Não descarto a possibilidade de o menino viver em um contexto de violência, não só em casa, assim como na comunidade em que está inserido. Já tive a oportunidade de trabalhar em uma instituição que atendia crianças e adolescentes em situação de rua, o que me lembrou muito o comportamento desse garoto. Os meninos dessa instituição não tinham noção de limite e respeito, pois, eles viviam na rua e a rua é um espaço público e livre, teoricamente, eles poderiam circular livremente nesse espaço. Já na instituição, tinham regras e limites e, muitas vezes, quando não concordavam com as regras, destruíam o que viam pela frente, frequentemente, tínhamos que contê-los. Porém, conseguíamos estabelecer, aos poucos, uma relação de confiança e reciprocidade, mas para isso acontecer, tínhamos que fazer uma aposta naquela criança, tínhamos que dar uma oportunidade para ela, tínhamos que ter paciência.
Outra possibilidade pode ser que a criança não viva em uma situação de falta (violência doméstica, ausência dos pais, descaso, abandono e outros tipos de negligência), mas uma situação de excesso (pais permissivos, que não impõem limites, que disponibilizam para a criança o que ela quer, no tempo que ela deseja).
Qual dessa situação fazia parte do contexto desse garoto? Ou será que não é nenhuma delas, mas alguma outra que não pude citar, por fazer parte do ambiente privado da família, ou até mesmo por fazer parte do âmbito institucional da escola, afinal, outro ponto a ser analisado nessa cena seria a relação do aluno com a escola.
Não podemos pré-julgar um comportamento de uma criança sem ouvi-la, sem conhecer o contexto que ela está inserida, sem conhecer a história de sua família.
As crianças não precisam ser julgadas, mas sim ouvidas. Mesmo quando a situação de pré-julgamento parece ser bem intencionada e politicamente correta.