segunda-feira, 27 de março de 2017

Vamos falar de amamentação?


           O meu objetivo com esse texto é discutir o impacto da amamentação na vida das mães por meio de minha própria experiência. Uma das tarefas que mais idealizei com a maternidade foi a amamentação. Durante a gravidez planejei muito esse momento, pois desejava amamentar. Queria oferecer para meu filho o melhor, e o melhor, com certeza, é o leito materno.
            Frequentei palestras e pesquisei um pouco sobre o assunto. Sabia que tinha uma questão da pega (a criança deveria pegar de forma correta no bico, caso contrário, machucaria o peito), posições para amamentar, a importância do leite materno para a saúde da criança, além do vínculo mãe-bebê. Julgava ser complexo, mas pelos depoimentos que vi de outras mulheres, o início era difícil, mas com o tempo pegamos o jeito e o processo fica mais fácil, assim eu deveria estar preparada para não desistir. 
            De fato, enfrentei todos os empecilhos. Meu filho teve grande dificuldade de pegar o peito e as tentativas dele sugar acabaram ferindo o bico, assim, além da dificuldade eu sentia dor. A questão foi ficando mais séria quando meu bebê começou a ter uma perda significativa de peso. Ele nasceu um bebê grande, mas estava emagrecendo a cada dia.
            O primeiro pediatra que levei me orientou a continuar só com o peito e não oferecer nenhum tipo de complemento, muito menos a mamadeira, e me encaminhou para um programa de ajuda á amamentação. Recorri a esse programa, que de fato, foi muito útil. Com alguns encontros individuais, a enfermeira que me atendeu me orientou de forma bastante amigável e pacienciosa, o que fez com que eu conseguisse amamentar.
            O problema foi que todo esse tempo, meu filho foi perdendo muito peso, o que fez com que a segunda pediatra me orientasse a entrar com o complemento, além da amamentação. Tive muita resistência em utilizar o complemento. A primeira vez, quem deu a fórmula, foi meu marido, que já estava angustiado com a perda de peso do nosso bebê. Lembro-me que quando ele ofereceu o complemento me senti uma fracassada.  Era como se eu não conseguisse oferecer a nutrição para meu filho e sentia que o erro era todo meu.
            Aos poucos fui assimilando a entrada do complemento e assim, passei a amamentar no peito e com a mamadeira. A partir de então meu bebê passou a ganhar peso e desenvolver.
            Através dessa experiência refleti sobre como o discurso social sobre a amamentação, nos coloca em cheque diante da maternidade. É como se nos dissesse: “Se você não conseguir amamentar não será uma boa mãe”, “ se você não conseguir amamentar não construirá vínculo com seu filho”, “você deu a mamadeira? Cuidado para ele não largar seu peito”, “se você não amamentar seu filho terá diversas doenças”. Discursos como estes vão nos apavorando durante o momento em que estamos mais frágeis.
            Nem quero discutir a importância do leite materno, afinal a relevância do mesmo para a saúde da criança é inquestionável. Mas se por ventura a mãe não conseguir amamentar? Será que todas as mães, de fato, conseguem amamentar? A amamentação é um processo natural?
            Respondendo a última pergunta, não, a amamentação não é um processo natural, sendo assim, há sempre um risco da mãe ter dificuldades ou até mesmo não conseguir amamentar. Com isso quero dizer que, ao nascer, o bebê não vai sugar perfeitamente o peito da mãe, se alimentando de forma adequada. Esse bebê estava no útero, recebendo alimentação contínua da mãe, fazendo parte do corpo dela, de repente ele se separa desse corpo e deve se alimentar com ajuda da mãe e não mais através dela, assim, mãe e bebê têm muito que aprender juntos.
As campanhas incentivam as mães a amamentarem, porém, se esquecem de acolher essas mesmas mães quando precisam de ajuda, assim a naturalização da amamentação acaba não ajudando mães e bebês.
            No meu caso, estava sacrificando a saúde do meu filho para oferecer amamentação exclusiva, e só fui perceber meu exagero quando meu marido e a pediatra me chamaram a atenção. É claro que eu estava em um momento frágil e tinha perdido totalmente a noção da realidade, porém, percebo o quanto eu estava envolvida, exageradamente, com a necessidade de amamentar, principalmente para me afirmar como mãe, para não fracassar como mãe.
            Há mães que amamentam com facilidade, há mães que amamentam com dificuldade, há mães que não conseguem amamentar, porém nenhuma dessas possibilidades desqualifica a mãe, ao contrário, só faz provar que maternar é um caminho sem qualquer garantia, planejamos algo, mas muitas vezes, nos frustramos e mesmo assim, devemos seguir em frente.
            Amamentar é um ato de amor, por isso a maioria das mães tenta, mas nem todas conseguem e mesmo diante do fracasso, o amor persiste.








Adolescência

               A adolescência é período de intensas e importantes mudanças. Mesmo quando tudo vai bem, ainda sim, é um período difícil e caótico. O adolescente deixa o período da infância e caminha em direção à vida adulta. Momento em que ele deve fazer escolhas, ter posicionamentos, e vivenciar as primeiras experiências da vida adulta como o trabalho e relacionamentos amorosos.
         É um período importante para a formação de identidade. O adolescente se distancia da referência familiar para se aproximar de referências exteriores. Período em que procuram ídolos, pessoas do exterior para se identificarem.
            Os pais estranham muito esse momento. O filho que tinha os pais como ídolos agora não quer saber mais da presença dos mesmos, quer apenas a presença dos amigos e acham a opinião dos pais antiquada. De fato é um momento difícil para os pais, pois eles vão se dando conta do distanciamento de seus filhos, distanciamento necessário, pois os filhos nasceram para terem suas próprias vidas e não para ser uma extensão de seus pais.
            Para lidar com a adolescência dos filhos os pais devem lidar com a própria adolescência. Devem entender que o momento que vivenciaram a adolescência foi absolutamente diferente de seus filhos e não adianta insistirem nas comparações. O momento atual deve ser considerado, afinal, o mundo muda, a sociedade muda, as pessoas mudam. Isso não significa que levar em consideração o momento presente você não determinará limites para seus filhos adolescentes. Sim, os adolescentes precisam de limites, afinal, ainda não são adultos e não podem responder pelos seus próprios atos. Os limites também significa saber trabalhar com responsabilidade, assim limite de horário, de dinheiro, dentre outros, ajuda o adolescente a lidar com responsabilidade.
            O adolescente deve entender que liberdade está relacionada com responsabilidade. Que a partir do momento que assumimos fazer algo por nossa conta, devemos assumir também, a responsabilidade, assim sendo, é importante que o adulto dê suporte ao adolescente para enfrentar as responsabilidades.
            Muitos adolescentes acabam carregando sintomas fóbicos em relação a esse período de descolamento da família. Eles têm medo de sair de casa, ir à escola e resolver problemas sozinhos e isso é muito ruim para os jovens. Os pais devem incentivar o adolescente a assumir tarefas e prepara-los para a vida adulta.
            Muitos pais cobram responsabilidade de seus filhos adolescentes, cobram que se lembrem dos compromissos sozinhos, que arrumem o quarto e que tenham atitudes mais maduras, porém, em contrapartida, não deixam o filho sair de casa sozinho, pegar um ônibus, ir ao cinema com os colegas, ou frequentar a casa de um amigo. Percebam que essa atitude é totalmente contraditória? Como posso cobrar sem oferecer?
            Outro cuidado que devemos tomar é não medicar a adolescência. Muitos conflitos relacionados a essa fase são olhados como “patológicos” e “anormais”, porém, eu encararia muito mais como conflitos típicos à adolescência. Apesar de serem típicos e normais não devemos desconsiderar o sofrimento do adolescente e ainda a dificuldade da família em lidar com tais conflitos. Sendo assim, o mais indicado seria psicoterapia para o adolescente concomitantemente ao acompanhamento familiar. Assim não devemos transformar a adolescência em doença, mas sim considerar os conflitos que rondam esse período.

            A psicanalista francesa, Françoise Dolto, compara a adolescência a passagem de uma margem de um rio à outra margem. Sendo assim, o adolescente precisa de suporte para enfrentar esse momento, para fazer essa passagem, de modo que cheguem do outro lado, preparados para enfrentar as vicissitudes da vida adulta.  

sábado, 25 de março de 2017

Sobre os pais

          Com a aproximação do dia dos pais, aproveito para falar sobre a importância dessa função na vida dos pequeninos.
            A função paterna, assim como a materna, é de extrema relevância para a formação emocional e psíquica das crianças. Essa função pode ser exercida pelo pai biológico ou por qualquer outra figura que se disponha a isso. Eu, particularmente, gosto sempre de ouvir os pais no consultório, saber a opinião que eles têm sobre a criança, como costumam proceder com ela, ou até mesmo, perceber que, muitas vezes, são ausentes e acabam por delegar toda responsabilidade da criança para a mãe. A mãe, por sua vez, assume totalmente a responsabilidade e pouco requisita o pai. Se os pais soubessem a importância de sua função jamais se afastariam.
            Quando nasce o bebê, a mãe fica absolutamente envolvida com o nascimento dessa criança, afinal, a maioria dos cuidados iniciais depende dela, como exemplo, a amamentação. Porém, a importância dos pais já pode ser registrada já no início ao proporcionar um ambiente tranquilo e com os recursos necessários para a relação mãe- bebê. A participação também é válida como dar banho, trocar fraldas, ninar a criança, assim, já mantendo o contato com seu pequeno ser e já se mostrando presente, afinal, não existe só a mamãe e posteriormente é, justamente, essa a função primordial do pai, mostrar para o bebê que não existe só a mamãe, assim como, mostrar para a mãe que existe um mundo além do bebê, em uma função de desalienar a relação mãe-filho.
            O pai vai chamando a mãe para o mundo, para outras funções que a mulher deve exercer além da maternidade. Esse momento é muito difícil para a mulher e ter o apoio e incentivo de seu companheiro é essencial. Ela pode deixar o bebê porque o pai, vai cuidar, vai zelar, e vai amar tanto quanto ela.
            Os pais também adoram apresentar o mundo para os bebês. Muitas vezes as mães estão tão tomadas com os cuidados com a criança que acabam não tendo disposição e energia para isso. Os pais brincam, mostram os animaizinhos no livro, no zoológico, dão piruetas no ar com a criança, vão à pracinha e deixam a criança rolar na areia, rolar na grama, descer do escorregador e fazer algumas peraltices. Outra vantagem dos pais, eles são mais ousados que as mães. Eles deixam coisas que as mães jamais deixariam. Eles ensinam manobras na bicicleta, pulos ousados na piscina, cambalhotas na grama, deixam as crianças se soltarem mais nos brinquedos e também se virarem nas relações com outras crianças.
            Os pais sabem que os filhos devem encarar o mundo, deixam o filho sair sem blusa para ele passar frio e aprender a lição. Os pais são grandes formadores de sujeitos para o mundo. Costumam mimar menos as crianças, costumam cobrar mais responsabilidade, revelam para a criança que o mundo tem limites e que ela terá que lidar com isso. Apresentar o mundo além do lar é uma importante função paterna. A função de acolher é tão importante quanto a função de liberar a criança e ensiná-la a alcançar voos mais altos.
            A função paterna pode ser exercida por qualquer figura, seja ela masculina ou feminina, porém o que é inegável é a importância dessa função para as crianças. Elas precisam de pais, precisam de incentivos, precisam ser preparadas para ser um sujeito adulto, independente e disposto a ir onde for necessário para realizar seus sonhos.
            Para os pais que estão exercendo sua função de forma discreta eu diria para que não percam mais tempo, participem da vida de seus filhos o quanto antes, não permita que ninguém faça essa importante função em seu lugar. E para as mães eu diria: deixem os pais participarem. Pai não faz as coisas como mãe. Não prepara a comida do mesmo jeito, não dá banho do mesmo jeito, e não repreende da mesma forma, mas aí está, justamente, a importância da questão, a diferença. Pais e mães são diferentes, lidam com a criança de forma diferente e essa diferença só tem a contribuir. Onde a mãe falha o pai entra, onde o pai falha a mãe entra e assim se faz a riqueza dessa relação. 
            Aos pais, um feliz dia e mais do que isso, disposição para essa importante missão.
           


Meu filho não se concentra!

Na maioria dos encaminhamentos de crianças para atendimento psicológico, feito pela escola, a falta de concentração é um dos destaques ao lado da agitação. Muitos relatórios destacam que a criança não consegue se concentrar, tem pressa para fazer a lição, e não consegue realizar as atividades até o final.
            O que acho mais interessante nessas queixas, é que os profissionais da escola relatam a concentração de forma tão simples, que parece muito fácil ser adquirido. Você acha fácil se concentrar? Quando você está lendo um texto de difícil entendimento e interpretação você consegue apreender imediatamente o sentido do texto? Você faz isso rapidamente? Ou quando você percebe seu pensamento já percorreu todos os lugares e se distanciou, absolutamente, do texto?
            Pois é, a concentração não é algo simples a ser adquirido. Se concentrar é difícil e exige esforço, um tremendo esforço, principalmente para uma geração que pouco precisa exercer essa habilidade, pois a vida moderna está muito mais volátil. As informações mudam numa velocidade alucinante, por influencia da internet.
            Quando eu era criança para fazer um trabalho escolar, ou eu me utilizava das duas coleções de enciclopédias disponíveis na minha casa, Barsa e Mundo da Criança, mas devido às informações restritas, o mais comum era que eu recorresse a uma visita à biblioteca municipal. Na minha época ter uma carteirinha da biblioteca era obrigatório, uma hora ou outra, necessitávamos recorrer aos inúmeros livros disponíveis por lá. Normalmente a bibliotecária separava vários livros com o tema a ser pesquisado e cabia a nós, ler partes dos livros, fazer um resumo de cada parte, anotar todas as referências e depois compor um texto com todas essas informações. Podemos afirmar que fazer um trabalho de escola era um bom exercício de concentração. Para fazer um trabalho escolar, hoje em dia, encontramos as informações absolutamente acessíveis na internet, nem precisamos sair de casa.
            Com esses argumentos, não quero dizer que a internet é uma ferramenta negativa. Ao contrário, acho que a tecnologia está disponível para facilitar nossas vidas e não quero ter um discurso saudosista em que valorizo o passado em detrimento ao presente. Porém, não posso negar que as mudanças têm efeitos sobre a subjetividade, efeitos sobre como as pessoas agem e se comportam. Em um percurso histórico sobre o papel social da criança já podemos notar que em cada período histórico a criança tinha uma função distinta. Sem sombra de dúvidas a vida moderna oferece um grande destaque para a criança, em que ela passa a ser objeto de questionamentos e pesquisas.
            O comportamento infantil vem sendo alvo de estudos constantes e tem transformado a criança em um laboratório experimental, o que faz com que o comportamento infantil sempre tenha uma classificação.
            O que pretendo chamar atenção é que a criança é efeito de um tempo social, efeito de sua família e também da relação com a escola. A criança é um ser imaturo, em desenvolvimento, e certas classificações ainda são muito precoces para um ser que ainda tem muito a aprender e apreender, tanto emocionalmente, quanto cognitivamente.
            Por isso, pais e professores, cuidado! Cuidado para não cair na tentação de classificar seu filho e/ou aluno. Cuidado para não ter que sempre encontrar uma justificativa para o comportamento da criança. A criança não nasce sabendo, não nasce com as habilidades necessárias. Ela precisa se desenvolver, aprender e principalmente receber a ajuda de um adulto, de uma pessoa mais madura e com maiores habilidades do que ela.
            Que possamos proteger, ajudar e orientar mais nossas crianças e classificar, diagnosticar e enquadrar menos. Que as crianças possam ser cada vez mais crianças. Que possam brincar e que tenham o direito de não conseguir, de sentir dificuldade, de não conseguir se concentrar. Cabe a nós, adultos, ajudá-las nesse sentido e ajudar não é, definitivamente, classificar.
           



O que você espera do seu filho?

            Uma grande dificuldade que os pais têm é lidar com o filho ideal e o filho real. Se deparar com o filho real é muito difícil e os pais insistem que a criança chegue o mais perto possível do filho ideal.
            Pais que idealizam um filho estudioso, mas que na realidade não gosta de estudar, pais que idealizam um filho generoso, mas que na realidade é egoísta, pais que idealizam um filho obediente, mas que na realidade é desafiador, pais que devem lidar com o descompasso do ideal com o real.
            Conversando com os pais, percebo muitas vezes, que na verdade, a queixa que formulam sobre os filhos é mais um incômodo para eles do que para a própria criança ou adolescente. Dizem: “ele não gosta de estudar”, “ele é desorganizado”, “ele não aceita regras”, “ele não faz a lição”. Diante da queixa dos pais, sempre me questiono, esta queixa legitima uma psicoterapia ou esses pais querem que eu transforme essa criança no filho ideal? É claro que boa parte da resposta para esse questionamento é a criança que nos oferece, revelando seu real sofrimento, muitas vezes, ela não se identifica com a queixa dos pais.
            Os pais têm a difícil missão de entender que aquela criança não é uma extensão deles, não é um braço ou uma perna deles, aquela criança é um sujeito em devir, é um homem ou mulher em formação e isso não é ruim nem bom, isso é apenas prova de que aquele pequeno sujeito já dá mostras de sua individualidade.
            A função dos pais é, sobretudo, educar esse pequeno ser para que possa dar conta de sua vida adulta, mas isso não significa que nesse processo a criança irá fazer tudo igual aos pais, tudo da forma que esperavam.
            Muitas vezes, as crianças revelam aos pais, o furo que há neles mesmos. Um furo que eles passaram a vida toda tamponando, mas que agora, com a presença do filho, não tem como esconder, pois o filho insiste em mostrar que ele não consegue corresponder ao que os pais esperam dele e, na maioria das vezes, essa é a reação mais saudável que a criança pode oferecer.
            A tarefa de aceitação e acolhimento da personalidade e individualidade do filho, reconheço, não ser nada fácil. Principalmente no momento em que eles entram na adolescência e que, de fato, passam a fazer escolhas, essa questão se torna ainda mais conflitava. Porém, é muito mais saudável ter filhos que fazem escolhas, mesmo que diferentes da sua, ou até mesmo equivocadas, do que filhos que simplesmente não escolhem, que se paralisam diante da vida, que não tomam iniciativas, e que permanecem dependentes de seus pais.
            Atendo alguns adolescentes que sofrem muito com esse momento de desligamento dos pais. Não conseguem caminhar com as próprias pernas, têm muito medo de contrariar, não arriscam fazer escolhas. Sofrem muito por isso, sofrem muito em imaginar que a vida adulta se aproxima e que eles terão que viver suas vidas sem tutela, por sua própria conta e risco. O medo os apavora, o medo causa um verdadeiro estado de fobia e paralisia. Têm ataques de pânico, medo de sair de casa, medo de ficar em público, medo de viver suas próprias vidas.
            Sabemos que, como pais, fizemos nosso melhor papel, quando podemos vislumbrar nosso filho dando conta da própria vida, assim podemos ter certeza, que fizemos nossa parte, tudo deu certo. Mas, para que tudo dê certo, cabe a nós, aceitar o fato de que a criança será um adulto, o adolescente deve fazer escolhas para que a vida adulta possa ser realizada e feliz. Feliz para ele, não para você.




            

Ser mãe...

                 Esse texto vai para todas as mamães que no próximo domingo vão almoçar com seus filhos caracterizando quase, o único dia do ano, que nos aproximamos da perfeição da família Doriana. Filhos amando mães, mães amando filhos, todos juntos e felizes, porém, a realidade, o dia a dia, não é bem assim. Encarar a maternidade é uma missão que os marqueteiros do dia das mães e as páginas sociais do facebook, vendem como linda e romântica, quase que perfeita, porém, é cheia de dilemas.
            Todos os dias, estou em contato com famílias, papais e mamães, cheios de angustias, incertezas, e eu diria até, algumas vezes, desesperados. Os pais, assim como as mães, merecem destaque para nossas reflexões, porém, deixarei essa discussão para outro post.
            Quando desejamos ser mães criamos uma série de expectativas em relação a essa experiência. Uma linda barriga, um lindo bebê, um lindo quarto de bebê, um bebê bonzinho, uma menina boazinha, um menino inteligente, crianças espertas e criativas, assim serão meus filhos. Eles sempre vão me obedecer, quando eu disser para ir tomar banho, eles não irão ser birrentos como essas crianças por aí. Quando eu me recusar a comprar algo no supermercado, eles irão entender, assim serão meus filhos, porque conseguirei cria-los adequadamente. E de repente, a realidade se impõe. Essa realidade que não coloca refresco nas coisas, essa realidade que não está interessada em saber sua opinião, essa realidade que entra como um tsunami em sua vida, sem pedir licença, essa realidade que não tem o mínimo de delicadeza.
            A menina não é nada delicada, tem ruim comportamento, fala grosserias, gosta de futebol e bate nos meninos na escola. O menino é birrento, não aceita ser contrariado, quer ficar o tempo todo no colo da mãe e dá muito trabalho para comer. E assim os filhos vão contrariando os pais e quando mais eles percebem que os pais se irritam, mais eles contrariam. Eles querem ser aceitos e amados como são, como se quisessem dizer: “olha pra mim, eu sou assim, não consigo ser de outro jeito, você pode me amar do jeito que eu sou”?
            Escrevendo esse texto me ocorreu uma cena que aconteceu comigo recentemente. Encontrei a mãe de uma antiga pequena paciente na fila do supermercado com os dois filhos. Ela me cumprimentou e diante da cena das crianças aprontando todas na fila, ela me disse: “eu queria tanto ser mãe, fiz de tudo para engravidar, mas se eu soubesse que era assim, teria desistido”. Triste confissão de uma mãe desesperada que precisa de cuidados, mais que os filhos, pois ela vive perseguindo tratamento para os filhos sem perceber que ela é quem precisa de ajuda.
            Sim, as mães precisam de ajuda, na maioria das vezes, elas precisam mais que os filhos, pois encarar essa missão não é algo simples e talvez seja isso que faça o fato de ser mãe uma missão tão arriscada e bonita.
            Ser mãe é abdicar, é não saber o que fazer, mas fazer assim mesmo. É amar uma criaturinha simplesmente por ser seu filho, é entender, acolher, dar aquele colinho que faz toda a diferença. É não dormir a noite e ter que cozinhar mesmo não gostando. É se preocupar constantemente, é sentir saudades e a dor da separação, é lidar com angustia de que o filho está fazendo uma escolha diferente de você.
            Ser mãe é cuidar de alguém que você não tem posse, de alguém que vai sair de perto e fazer as próprias escolhas, e a única coisa de te resta, é olhar de longe e torcer para dar tudo certo, mas se der errado, o seu colo estará sempre disponível para acolher seu filho.
            Para ser mãe não temos garantias, manual de instrução, passo a passo, a experiência é na raça mesmo. E como os filhos ensinam suas mães! Como os filhos mostram que você é cheio de defeitos, impaciente, perfeccionista, exigente, sempre quer levar vantagem, fura fila e joga papel no chão. Opa, agora eu tenho um filho, não posso ser mais assim, tenho que dar o exemplo, tenho que ser melhor, não perfeito, mas melhor. E quando eu não consegui, posso vencer meu orgulho e dizer: “desculpa filho”.
            A maternidade é uma experiência transformadora. Ela não precisa ser vivenciada por todas as mulheres e acho que é de muito bom senso aquelas que não querem vivenciar, afinal, elas querem poupar o pequeno ser de uma experiência na qual elas não estão disponíveis, o que fazem muito bem, afinal, para ser mãe é preciso desejar. Só desejar, apenas desejar, o resto a gente vai aprendendo dia após dia com os pequenos, a cada fase que eles passam, a cada ano que se finda, a cada dia das mães que se aproxima.
            A todas as mamães, parabéns, boa sorte, paciência, persistência, e fundamentalmente muito amor!

            Feliz dia das mães!

Sobre as crianças que não falam

           Como analista de crianças recebo, frequentemente, em meu consultório, crianças em idade de 3, 4, 5 anos que, ainda não falam, ou que têm uma fala absolutamente incompreensível. Normalmente essas crianças vêm com encaminhamento médico com diagnóstico de autismo. O ponto que pretendo destacar é justamente, diagnosticar crianças que não falam como autistas.
            É fato que uma das características de autismo seria uma distinta relação com a linguagem, que pode ser a ausência de oralidade, mas, muitas outras características devem ser consideradas para o diagnóstico do autismo e seria muito simplista articular a ausência de oralidade com o autismo.
            Já atendi muitas crianças com ausência de oralidade, ou que apenas balbuciam algumas palavras, ou que têm uma fala incompreensível, mas normalmente ao atender essas crianças tento não me preocupar com o diagnóstico, mas estar atenta a relação que elas mantêm com a linguagem.
            A infância é o período da aquisição de linguagem, período em que a criança irá sair do mutismo para se deparar com o mundo das palavras. É importante enfatizar que este período não pode ser caracterizado, absolutamente, pelo momento em que o cérebro estará maduro, suficientemente, para a criança começar a falar. Há muitas questões em jogo.
            O processo diagnóstico na clínica psicanalítica se distancia, radicalmente, da clínica diagnóstica médica. Assim, o que pretendo destacar, é a forma como irei lidar na clínica, com uma criança que não fala, em que o diagnóstico não é relevante, tanto quanto a relação subjetiva que a criança irá estabelecer com a linguagem.
            O diagnóstico, para a medicina, pretende reconhecer uma patologia através da identificação de sinais e sintomas, circunscrevendo um quadro nosográfico, que exclui o sujeito da ação diagnóstica. Porém, para a psicanálise, o sujeito deve ser incluído e contribuir para o processo de psicodiagnóstico.
            Devemos destacar também, que as questões psíquicas não se caracterizam apenas dentro de um corpo biológico, ou seja, o cérebro. O diagnóstico, em medicina, considera somente um corpo orgânico, muitas vezes, desconsiderando o sujeito, como se o médico soubesse muito mais sobre o sofrimento do individuo do que ele mesmo.
            Voltando para a questão central desse texto, e as crianças que não falam? Como a psicanálise pode contribuir para essa clínica?
            Para responder de uma forma mais didática, pretendo trazer exemplos de casos clínicos de duas crianças que não falavam. A primeira não tinha qualquer entrada na linguagem, a segunda falava apenas algumas palavras, mas não conseguia construir uma frase, ou se colocar no plano do discurso. A primeira tinha quase três anos quando comecei a atender e a segunda quatro anos.
            A primeira chegou com diagnóstico de autismo. Preferi não atestar o diagnóstico, ficando em suspenso. Inicialmente a criança não falava e não interagia. Posteriormente ela passou a desenhar em sessão, fato este que trouxe muitos progressos para o atendimento. Através do desenho passamos a interagir e estabelecer transferência. Os desenhos passaram a servir de suporte para a criança, parecia que através dos mesmos, ela me dizia algo. Pouco a pouco ela começou a nomear seus desenhos. Algumas palavras começaram a ser pronunciada, a escrita passou a fazer parte dos desenhos e a criança começou a compor histórias em sessão. Como dizer que a criança estava alheia à linguagem? Não, ela não estava, mas a relação que ela estabelecia com a linguagem, era singular. A criança progredia a cada dia e fazer o diagnóstico ficava mais difícil. Com o tempo pude perceber que a criança era autista pela relação que ela estabelecia com a oralidade, pela dificuldade em se estabelecer no plano do discurso, pela forma como colocava verbos, pronomes e sujeito nas frases.
            Atualmente a criança está com dez anos. O plano do discurso está bem mais estabelecido. A criança fala com maior facilidade, conta histórias, fala sobre o cotidiano escolar e familiar. Hoje ela não precisa recorrer mais aos desenhos. Apensar de todos os progressos nesse caso, só tive certeza sobre o autismo há três anos, mas, mesmo assim, nosso trabalho não foi comprometido por isso.
            A segunda criança chegou também com diagnóstico de autismo. Pronunciava algumas palavras, tinha alguns movimentos repetitivos e sempre fazia os mesmos desenhos em sessão. Suspendi o diagnóstico e iniciei meu atendimento com ela. Percebi que, pouco a pouco, a criança passou a se estabelecer no plano do discurso, passou a elaborar frases, contar sobre o cotidiano e durante a sessão não tinha mais um repertório repetitivo. Depois de um ano atendendo essa criança já não posso reconhecer aquela que, anteriormente, entrou em meu consultório e posso afirmar com tranquilidade que não se trata de uma criança autista.
            Mesmo trazendo dois casos distintos, um que considerei autista e outro não, o que podemos destacar é que se tratava de duas crianças com problemas de linguagem, que não conseguiam falar, mas que hoje, ambas, independente do diagnóstico, falam e estão se colocando no campo da linguagem.


O desfralde e a relação da criança com o corpo

          Um dos momentos mais tensos para as mamães é o momento do desfralde. Muitas mães, vão ao consultório, angustiadas com o fato de a criança fazer xixi ou cocô na calça. A situação mais comum é a criança que faz xixi na cama e a criança que se recusa a fazer o cocô no peniquinho ou no vaso sanitário, fazendo na fralda.
            A criança nasce com o sistema nervoso incompleto, no qual só estará realmente terminado por volta dos dezoito meses, assim sendo, a criança só conseguirá ter o controle sobre os músculos voluntários após esse período. Françoise Dolto (pediatra e psicanalistas de crianças), afirmou em seu livro “Etapas decisivas da infância”, que uma criança possui o domínio de seus músculos voluntários quando pode subir e descer sozinha uma escada.
            Podemos considerar que a criança estará preparada para o desfralde por volta dos dois anos de idade. Nesse momento ela passa a ter maior controle sobre os músculos voluntários de seu corpo e dessa maneira, a possibilidade de controle esfincteriano se faz.
            O grande impasse do desfralde se faz justamente no instante em que a mãe deve abrir mão do corpo de seu bebê. Aquele pequeno corpinho já não lhe pertence mais e ali habita um sujeito que já pode controlar o momento em que irá fazer suas necessidades, assim, o desfralde implica em um descolamento da mãe. Referi-me a esse momento como um impasse, porque, ao mesmo tempo em que as mães querem que a criança saia das fraldas, elas não querem abrir mão desse corpo que, em certa medida, sentem que lhes pertence.
            O desfralde implica em um voto de confiança à criança: “vá, você consegue fazer isso sozinho, sei que você pode falhar algumas vezes, mas a falha faz parte”. Esse “afastamento” da mãe autoriza a criança a lidar com seu próprio corpo, implicando em um desfralde mais tranquilo. A mãe que tem dificuldades em fazer isso pode dificultar o desfralde de seu filho. A mãe que coloca excessivamente disponível para a criança, que tenta controlar o momento que a criança vai fazer as necessidades, que se irrita quando a criança faz xixi ou cocô na calça, em suma, que se faz muito presente não oferece espaço para que a criança lide com o próprio corpo e por consequência a criança continua usando fraldas.
            Noto que algumas crianças que usam fralda são extremamente apegadas as mães, têm dificuldades de se afastar delas, entretanto esse cenário só se impõe, porque o contrário também é verdadeiro, a mãe tem dificuldade de se afastar do filho. Assim, inconscientemente, eles fazem um pacto de união e usar fraldas implica, simbolicamente, ter o corpo dominado pela mãe, desse modo se impõe o conflito para mãe e criança.
            O momento do desfralde é o momento em que a criança passa a lidar e ter o controle sobre o próprio corpo, então é importante que ela possa ter um espaço físico e principalmente emocional para que isso ocorra de forma tranquila.
            Fecho esse artigo com uma citação de Françoise Dolto:
“Eu gostaria de tentar compreender o processo obscurantista mantido de mãe para filha, que conduziu nossa civilização ocidental, há cerca de um século, a essa atitude perversa e perversora na educação das crianças pequenas, atitude dita educadora, à qual se deu inclusive a referência animal de ‘adestramento’. Essa palavra conota bem a referência animal a qual se associa o estado de bebê e a alimentação da criança humana ao desejo soberano do adulto tutelar, que a trata como objeto de funcionamento, outorga-lhe um estatuto implícito de escravo e nega-lhe a priori um estatuto de homem ou mulher que advém a liberdade de seu corpo no domínio experiente da satisfação de suas necessidades, e não a apoia para delas distinguir seu desejo e para expressá-lo com palavras autênticas, quando sua evolução física lhe der meios para isso”.  *

*Dolto. F (1999) As etapas decisivas da infância. São Paulo: Martins Fontes.

Vamos falar de sentimentos?



     Medo, raiva, nervosismo, ansiedade, felicidade, amor, agressividade, frustação, etc, são sentimentos que nos acompanham frequentemente. Devemos saber conviver e lidar com esses sentimentos, pois é impossível extingui-los, elimina-los, afinal, fazem parte da constituição das emoções humanas. Muitas pessoas tem dificuldade em lidar com os sentimentos e, muitas vezes, procuram ajuda de um psicólogo para isso.
            As crianças, assim, como os adultos, têm dificuldade em lidar com os sentimentos, porém, eu classificaria essa dificuldade de modo diferente, pois, para os adultos, apesar da dificuldade, os sentimentos estão mais ou menos significados, mas, para a criança, não há qualquer significação sobre esses sentimentos. A criança não entende que ela tem que dividir, não entende que tem horário para comer, dormir, não entende porque ela não pode viajar amanhã, não entende porque ela não faz aniversário toda semana, não entende porque ela não pode comprar o brinquedo que tanto deseja.
            As crianças simplesmente são bombardeadas pelos sentimentos, de modo que, se algo que ela muito deseja e espera não acontece, ela é invadida pela raiva, frustação, ansiedade, medo, etc. Cabe ao adulto significar esses sentimentos para ela, assim sendo, a criança vai entendendo e percebendo que esses sentimentos fazem parte e temos o dever de lidar com eles, principalmente porque vivemos no coletivo e, muitas vezes, os outros ao nosso redor não podem corresponder a esses sentimentos. Isso significa que “mamãe nem sempre tem dinheiro para comprar tudo que eu quero, que papai nem sempre tem tempo de brincar comigo, que meus amiguinhos nem sempre querem brincar com as mesmas brincadeiras que eu, que a professora não pode explicar só para mim, que meus pais não podem dormir comigo todas as noites”.
            Lidar com os sentimentos, significa perceber, que o incomodo tem relação com a impossibilidade do outro em corresponder a tudo que eu espero. Quando converso com os pais, noto, muitas vezes, o quanto eles tem dificuldade em ensinar os filhos a lidarem com os sentimentos. Costumam argumentar que as crianças choram, abrem um berreiro, não aceitam ser contrariadas, como se eles não pudessem fazer absolutamente nada em relação a isso. Como se as crianças já devessem nascer sabendo a lidar com frustações, raiva, medo e até mesmo com o amor, afinal, a pessoa que amamos não está cem por cento disponíveis para nós.
            Normalmente o que os pais precisam perceber, é que, para lidar com os sentimentos de seus filhos devem lidar com seus próprios sentimentos. Para lidar com o medo do filho devem lidar com o próprio medo, para lidar com a frustação do filho devem lidar com a própria frustação, e assim por diante. Como exigir que uma criança lide bem com os sentimentos se nem mesmo conseguimos lidar?
            Assim sendo, qual a melhor forma de os pais lidarem com os sentimentos dos filhos? É assumindo e significando os sentimentos das crianças: “Você está com medo, raiva, frustado... por causa disso...”, dessa maneira as crianças passam a encontrar um nome para o que estão sentindo e assim, fica muito mais fácil lidar com os sentimentos.

            Falar com as crianças sobre sentimentos é, em certa medida, assumir que nós mesmos também somos acometidos por eles, demostrando para criança que sentir é absolutamente normal.

Sobre inclusão nas escolas: acolher para incluir

           


            O que quero de fato me referir com o verbo acolher tem a ver com a aceitação das diferenças. Muito do que ocorre nas escolas é incluir para acolher, ou seja, a criança é depositada na escola e a escola se empenha para que ela consiga, mais que possível, todos os recursos que as outras crianças têm.
            A política de inclusão, do ministério da educação, é um belo e importante material que nos ensina a refletir e praticar a inclusão, porém, ele está muito longe da nossa prática cotidiana nas escolas. O governo disponibiliza condições teóricas, mas não disponibiliza condições práticas e nem formação aos professores para que lindem com essa demanda.
            A inclusão é uma demanda de todos os professores e não apenas de professores especialistas em inclusão. A inclusão está presente em todos os campos da escola, principalmente essa inclusão que se refere às diferenças. Incluir é assumir e acolher as diferenças.
            A escola, em sua origem, não foi concebida para ser inclusiva, mas para ser instrumento de seleção e capacitação dos mais aptos. A escola cria um padrão, padroniza o comportamento e o processo cognitivo do sujeito, o que faz com que a escola funcione como um instrumento de classificação e seleção. Os sujeitos que não se encaixam no padrão que a escola impõe são considerados como sujeitos problemáticos, como se tivessem algum tipo de doença, transtorno ou deficiência.
            O mais complexo nessa relação entre escola e inclusão é que a definição de escola contradiz absolutamente à definição de inclusão. Com essa afirmação quero dizer que a escola, em sua origem, classifica, padroniza, uniformiza e a inclusão propõe exatamente o oposto no sentido de aceitar diferenças e promover a singularidade. Assim uma escola que se propõe a incluir deve rever os conceitos que definem a escola, pois uma escola que inclui não prioriza que todas as crianças sigam um mesmo percurso, mas oferece instrumentos para que as crianças possam seguir percursos diferentes, afinal, nem todos têm o mesmo recurso e habilidade.
            Em uma tentativa desesperada de a escola justificar comportamentos e até mesmo níveis de aprendizagem não padronizados, tudo é reduzido ao biológico. Assim, se uma criança não está alfabetizada, não consegue realizar as operações matemáticas, não lê adequadamente, não se comporta em sala de aula, não socializa, o caminho é investigar qual doença ela tem, desta maneira, os encaminhamentos médico-psicológicos se justificam. Assim sendo, razões como situações de opressão, miséria, violência em que as crianças estão inseridas é desconsiderada.
            A ênfase do comportamento infantil se faz por meio da conduta manifesta e não na estrutura que organiza e orienta a subjetividade. Admito que lidar com estas estruturas subjetivas são de grande custo e angustia, afinal, o campo da subjetividade é o campo da incerteza, porém, padronizar e enfatizar as estruturas objetivas não tem trazido benefícios para as crianças e é nesse sentido que a escola deve rever seus conceitos.

            Rever significa recolocar toda a estrutura institucional da escola de modo que as diferenças possam ser introduzidas para que a criança possa circular de forma autêntica, para que as dificuldades possam ser lidadas e não tratadas, para que o olhar seja direcionado para a criança e não ao comportamento dela. Rever significa que inclusão é acolher e lidar com as diferenças.

Ritalina – um mal necessário?

             Como já venho mencionado, em meus artigos no blog, cada vez mais tenho recebido crianças com queixa escolar, com problemas de comportamento e aprendizagem. Por isso gostaria de falar nesse artigo sobre a ritalina ou o metilfenidato, substância base da ritalina.
         Boa parte das crianças que estão com algum tipo de diagnóstico de déficit de atenção e hiperatividade (tdah) estão fazendo uso da ritalina. Particularmente considero este dado preocupante, por que tantas crianças estão consumindo ritalina? A prescrição excessiva de ritalina para as crianças me faz pensar que o tdah se trata de uma epidemia assustadora.
            Particularmente questiono a existência do tdah. Talvez meu questionamento seja pelo fato de que nunca conheci uma criança que de fato tenha tdah, portanto, não afirmo categoricamente que essa doença não exista, além de eu não ser médica ou não ter feito nenhum tipo de pesquisa sobre o tema, me baseio em minha experiência clínica. As crianças que recebi em meu consultório, mesmo as que chegaram com o diagnóstico de tdah e tomando ritalina, não acredito que tenham, de fato, a doença. Minha crença não vem apenas de um achismo, ou até mesmo de uma análise sintomática superficial. Minha critica se baseia em conversa com os pais, análise do cotidiano, rotina da criança e ainda, avaliação com a própria criança, assim, me atrevo a ficar restrita a minha experiência clínica para discutir o tema.
            Normalmente os pais se queixam do comportamento inquieto da criança, que ela não para quieta, que ela não consegue se concentrar que não presta atenção e por conta disso, tem dificuldades de aprendizagem na escola. Quando questiono sobre a rotina da criança, muitas vezes, a maioria, não tem rotina. Não tem horário para acordar, fazer as refeições (a maioria, inclusive, não faz refeições na mesa, em família, as crianças comem na frente da televisão), não tem horário para dormir, tomar banho, fazer a lição, etc. Fico pensando sobre o quão complicado é uma criança sem rotina e pior, de uma criança que decide sobre a rotina.
            As crianças, atualmente, estão sendo hiperestimuladas. Comem na frente da tv, brincam com o tablet, jogam no vídeo game, assistem filme no computador. Na minha infância eu tinha que esperar o horário do desenho que eu queria assistir, hoje em dia a criança é bombardeada por canais exclusivos de desenhos, em que ela pode escolher a qualquer momento qual quer assistir. Para que esperar?
            Sobre crianças com dificuldade de aprendizagem, questiono sobre a hora que estudam ou fazem a lição. A resposta é que esse momento não existe, assim, como uma criança que não faz lição, não presta atenção na aula, não estuda pode aprender? Outro perfil é a criança que aprende com facilidade, mas não para quieta na sala de aula. Esse caso me aprece óbvio que a criança não tem interesse na aula, pois ela já apreendeu o conteúdo, ela não precisa prestar atenção.
            Frequentemente pergunto aos pais se o médico questionou sobre a rotina da criança, sobre a relação familiar, sobre o histórico escolar da criança e a resposta quase sempre é NÃO. Como um médico pode fazer um diagnostico de tdah sem esses dados? Isso seria possível?
            O número de diagnóstico de tdah é assustador, e só pelo fato desse excesso de diagnósticos, já se coloca em questão sobre a seriedade dos mesmos e se de fato, esses diagnósticos realmente procedem, por isso faço um apelo aos pais, cuidado! Cuidado com a prescrição de medicamentos, cuidado com o diagnóstico de tdah. A ritalina tem efeito colateral, é uma droga estimulante e seu consumo tem implicações sérias.
            Muitas vezes acredito que a criança está carregando o fracasso de um sistema educacional, de uma família desautorizada, e de profissionais de saúde poucos dispostos a ouvir.

            Ritalina, um mal necessário? Por enquanto eu me arrisco a dizer desnecessário, quem sabe uma criança que de fato, tenha tdah me prove o contrário. Estou esperando há dez anos, e por enquanto, vou continuar esperando.


O risco em diagnosticar transtornos mentais na infância

         
Muitas vezes, quando a criança é encaminhada para um acompanhamento psicológico, ela já vem com diagnóstico pré-estabelecido por alguma especialidade médica. Noto que a especialidade médica mais resistente em diagnosticar crianças são os pediatras. Acho que este fato se justifica por lidarem muito com o desenvolvimento de seus pequenos pacientes e, por conta disso, sabem que as crianças podem mudar muito durante o percurso do desenvolvimento.
            O encaminhamento para atendimento psicológico, pelo convênio médico, deve ser feito através do diagnóstico de um médico, assim, para alguém, utilizar desse serviço, o sujeito deve ter uma doença.
            De forma geral, acho que o diagnóstico em saúde mental é uma questão extremamente delicada. A saúde mental se caracteriza por aspectos absolutamente subjetivos. O manual de diagnóstico de doenças mentais (DSM) é baseado exclusivamente em sintomas. Assim, para um sujeito receber um diagnóstico o médico irá avaliar se a pessoa tem o número de sintomas suficientes que caracterizam tal transtorno mental. Não existem exames que apontam o transtorno mental, o diagnóstico é feito apenas, mediante os sintomas. Diante de tal cenário podemos avaliar a fragilidade em se fazer um diagnóstico psiquiátrico.
            Quando pensamos no diagnóstico em transtorno mental na infância, a questão se torna ainda mais delicada por alguns motivos: a criança é um sujeito em desenvolvimento, assim sendo, a estrutura psíquica de uma criança pode ser definida como “não decidida”, assim:         “Para estruturar-se como sujeito, a criança depende irremediavelmente de um Outro sustentado por um agente de linguagem, personagem que lhe nutrirá um desejo, dirigindo-lhe demandas, o que propiciará o seu desenvolvimento”. (Petri, 2008:44)*.
            Podemos caracterizar a infância como o tempo da constituição subjetiva, período este, que finaliza na adolescência. Desta forma o risco de engessarmos a criança em um período em que ela deve estar disponível ao movimento, à transformação é, muitas vezes, comprometer muito mais o processo de desenvolvimento do que contribuir.
            No processo de subjetivação na infância, o lugar que ela ocupa com os pais, no campo social, também caracteriza como fundamental para esse momento. A criança é dita pelos seus pais, é dita pela escola, a criança não diz sobre si mesma, assim, a partir do discurso do outro ela significa sua subjetividade. Por esse motivo considero muito importante a atuação de profissionais que lidam com crianças, seja ele do campo da educação ou do campo da saúde. Não podemos atestar o fracasso da criança, ao contrário, devemos proporcionar espaços e possibilidades, seja na família, seja na escola, em que a criança possa se desenvolver de maneira saudável e segura.
           
Para finalizar menciono uma vinheta clínica durante meu atendimento com uma criança:
Criança: Camila que doença eu tenho?
Eu: Por que você está me perguntando isso Lucas? (nome fictício)
Criança: Porque eu vou a muitos médicos.
Eu: Você não é doente e acho até que você nem precisa ir a muitos médicos. Eu te acho bastante inteligente.
Criança: Você acha? Será que a minha mãe acha?
Eu: Quer perguntar pra ela? Podemos chamar ela aqui.
Criança: Quero sim!
A mãe entrou na sala de atendimento e imediatamente a criança perguntou se ela o achava inteligente, ao que a mãe respondeu que sim e ainda enfatizou, “muito”. Após um sorriso e suspiro da criança, encerrei a sessão.

*Referência da citação: Petri, R (2008) Psicanálise e infância. Rio de Janeiro: Companhia de Freud.


quinta-feira, 23 de março de 2017

Que lugar a escola está oferecendo às crianças?

Sobre o que escrever para o primeiro texto a ser publicado em 2016? Esta questão me fez pensar muito sobre o tema que eu desejaria discutir e ainda melhor, que tema as pessoas gostariam de ler. Na verdade essa é a parte mais difícil, encaixar meu propósito de discussão com o interesse das pessoas que se interessam em refletir sobre a condição da criança.
            Para pensar sobre os temas, a minha maior inspiração, acaba sendo meu trabalho clínico no consultório, me baseando na angústia das pessoas, no sofrimento das crianças e nos questionamentos das famílias. Como já mencionei algumas vezes me interesso em trazer uma demanda geral, que recebo no consultório, sem, considerar a singularidade de cada caso, pois seria impossível apreender essas especificidades.
            Não quero reduzir os temas a serem discutidos neste ano a um só, porém não posso desconsiderar uma questão que há muito vem me inquietado e que pretendo trazer para discussão muitas vezes. Esse tema se refere às queixas escolares. Com certeza o maior número de encaminhamento que recebo para atendimento de crianças tem a ver com alguma queixa escolar, seja ela, problemas de aprendizagem, seja ela, problemas de comportamento.
Recentemente, a mãe de uma criança encaminhada para atendimento pela escola, me fez um relato realmente assustador. Ela mencionou que a criança ainda não estava frequentando a educação infantil, porém no dia em que a mãe foi fazer a matrícula da criança na escolinha, um momento de extrema importância, pois se tratava da matrícula que representava a entrada da criança na escola, por coincidência, a coordenadora pedagógica da escola estava presente e observando o comportamento da criança na hora da matrícula, ela já sugeriu que a mãe levasse o filho ao psicólogo, sem nem mesmo conhecer a criança, apenas baseada em um comportamento manifesto.
            Considerei esse encaminhamento o mais bizarro que já recebi de uma escola. Classifico a intervenção dessa coordenadora como absolutamente preconceituosa, assustadora e antiética. Afinal, no que as escolas estão se transformando? Cada dia fico mais assustada com a atuação da equipe escolar, mas em contrapartida, também não posso desconsiderar a atuação de algumas professoras que classifico como admirável e exemplar e que fazem toda diferença na vida de uma criança, mas, infelizmente, essas professoras não têm liberdade de exercerem seu ofício, pois precisam estar engessadas em uma burocracia educacional que privilegia um sistema em detrimento da criança.
            Recentemente reli a política de inclusão do ministério da educação. Para os profissionais da área da educação, considero esse material, precioso e acho interessante que todos possam ler. O olhar que a política propõe, para lidar com o sujeito, é realmente relevante no sentido que não só os aspectos físico, biológico e manifesto devem ser levados em consideração, assim como, os aspectos psíquicos, subjetivos e latentes que, na maioria das vezes, são desconsiderados. Porém me questiono sobre o fato do lugar que essa política vem ocupando na escola, pois, esse mesmo ministério que produziu um material tão útil para inclusão, ao mesmo tempo cobra das instituições escolares, números, estatísticas, diagnósticos e desempenho de professores e alunos, desconsiderando o contexto específico dos mesmos.
            Que lugar estamos proporcionando para nossas crianças nas escolas? Como oferecer para essas crianças uma educação em que a subjetividade possa ser considerada sem correr o risco de produzir uma educação automatizada que não causa qualquer significação para a criança?
            Nem toda criança é boa em matemática. Nem toda criança é boa em português. Tem toda criança gosta de educação física. Nem toda criança gosta de participar da aula. Nem toda criança para quieta. Nem toda criança gosta de conversar. Nem toda criança gosta de ler. Nem toda criança...
            As crianças são diferentes e o papel da escola é justamente considerar essa diferença e não tentar uniformizar o comportamento infantil. Alguns aspectos da personalidade da criança podem ser desenvolvidos com a intervenção escolar, mas a escola só poderá intervir se conhecer e considerar o aluno, a criança, o sujeito.

            Qual a melhor forma para alguém ter sucesso na vida? Eu me ariscaria em responder: seja você mesmo e é isso que acho que as escolas deveriam ensinar para as crianças e não o contrário: “se você for você mesmo, será um fracassado”.