Um dos momentos mais
tensos para as mamães é o momento do desfralde. Muitas mães, vão ao consultório,
angustiadas com o fato de a criança fazer xixi ou cocô na calça. A situação
mais comum é a criança que faz xixi na cama e a criança que se recusa a fazer o
cocô no peniquinho ou no vaso sanitário, fazendo na fralda.
A criança nasce com o sistema nervoso incompleto, no qual
só estará realmente terminado por volta dos dezoito meses, assim sendo, a
criança só conseguirá ter o controle sobre os músculos voluntários após esse
período. Françoise Dolto (pediatra e psicanalistas de crianças), afirmou em seu
livro “Etapas decisivas da infância”, que uma criança possui o domínio de seus
músculos voluntários quando pode subir e descer sozinha uma escada.
Podemos
considerar que a criança estará preparada para o desfralde por volta dos dois
anos de idade. Nesse momento ela passa a ter maior controle sobre os músculos
voluntários de seu corpo e dessa maneira, a possibilidade de controle
esfincteriano se faz.
O grande impasse do desfralde se faz justamente no
instante em que a mãe deve abrir mão do corpo de seu bebê. Aquele pequeno
corpinho já não lhe pertence mais e ali habita um sujeito que já pode controlar
o momento em que irá fazer suas necessidades, assim, o desfralde implica em um
descolamento da mãe. Referi-me a esse momento como um impasse, porque, ao mesmo
tempo em que as mães querem que a criança saia das fraldas, elas não querem
abrir mão desse corpo que, em certa medida, sentem que lhes pertence.
O desfralde implica em um voto de confiança à criança:
“vá, você consegue fazer isso sozinho, sei que você pode falhar algumas vezes,
mas a falha faz parte”. Esse “afastamento” da mãe autoriza a criança a lidar
com seu próprio corpo, implicando em um desfralde mais tranquilo. A mãe que tem
dificuldades em fazer isso pode dificultar o desfralde de seu filho. A mãe que
coloca excessivamente disponível para a criança, que tenta controlar o momento
que a criança vai fazer as necessidades, que se irrita quando a criança faz
xixi ou cocô na calça, em suma, que se faz muito presente não oferece espaço
para que a criança lide com o próprio corpo e por consequência a criança
continua usando fraldas.
Noto que algumas crianças que usam fralda são
extremamente apegadas as mães, têm dificuldades de se afastar delas, entretanto
esse cenário só se impõe, porque o contrário também é verdadeiro, a mãe tem
dificuldade de se afastar do filho. Assim, inconscientemente, eles fazem um
pacto de união e usar fraldas implica, simbolicamente, ter o corpo dominado
pela mãe, desse modo se impõe o conflito para mãe e criança.
O momento do desfralde é o momento em que a criança passa
a lidar e ter o controle sobre o próprio corpo, então é importante que ela
possa ter um espaço físico e principalmente emocional para que isso ocorra de
forma tranquila.
Fecho esse artigo com uma citação de Françoise Dolto:
“Eu gostaria de tentar
compreender o processo obscurantista mantido de mãe para filha, que conduziu
nossa civilização ocidental, há cerca de um século, a essa atitude perversa e
perversora na educação das crianças pequenas, atitude dita educadora, à qual se
deu inclusive a referência animal de ‘adestramento’. Essa palavra conota bem a
referência animal a qual se associa o estado de bebê e a alimentação da criança
humana ao desejo soberano do adulto tutelar, que a trata como objeto de
funcionamento, outorga-lhe um estatuto implícito de escravo e nega-lhe a priori um estatuto de homem ou mulher
que advém a liberdade de seu corpo no domínio experiente da satisfação de suas
necessidades, e não a apoia para delas distinguir seu desejo e para expressá-lo
com palavras autênticas, quando sua evolução física lhe der meios para
isso”. *
*Dolto. F (1999) As etapas decisivas da infância. São
Paulo: Martins Fontes.
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