terça-feira, 17 de novembro de 2015

Psicoterapia com crianças não é adaptação de comportamento: quando uma criança necessita de psicoterapia?

         Cada vez mais, e cada vez mais jovens, as crianças estão sendo encaminhadas para psicoterapia. Algumas dessas crianças têm apenas um ano meio, dois anos e já estão sendo levadas para atendimento com psicólogo. A pergunta é: essas crianças, de fato, necessitam de acompanhamento psicológico?
               É claro que para desenvolver esta pergunta estarei atravessada pelo olhar da psicanálise, que pode ser diferente de outras linhas de psicoterapia/psicologia. Assim, insisto na questão: quando a criança precisa de psicoterapia?
       O maior motivo de encaminhamento para psicólogo tem a ver com uma demanda comportamental ou cognitiva da criança como: agitação, desobediência, dificuldade em obedecer a regras na escola e em casa, dificuldade de aprendizagem, medo, ansiedade, enurese, encoprese.
            Ao ouvir a queixa dos pais devemos estar atentos ao que o sintoma da criança responde. Muitas vezes, os pais chegam ao consultório, com um pedido de que o sintoma presente na criança desapareça. Se ela não consegue aprender, que aprenda, se ela tem medo, que se torne corajosa, se ela não se comporta bem, que passe a se comportar. Perceber-se também, na narrativa dos pais, que ao falar de seus filhos, não mantêm nenhum tipo de correlação entre eles e o sintoma da criança. Assim, muitas vezes, o pedido dos pais parece como uma solicitação de que os filhos precisem ser “consertados”.
            Ser analista de crianças exige muito cuidado e atenção, quanto à escuta da real necessidade de psicoterapia para o pequeno paciente. As crianças não vão buscar psicoterapia por conta própria, elas não apresentam a queixa pelo qual estão em um consultório psicológico, isso é feito por seus pais. O psicoterapeuta deve estar atento ao discurso dos pais, porém, não devemos tomá-lo como a verdade que irá conduzir nosso trabalho, pois o mais importante está por vir: a escuta da criança.
            Assim retomo a questão inicial: quando uma criança precisa de psicoterapia? Ela precisa de psicoterapia quando ela mesma está acometida por algum tipo de sofrimento, quando ela mesma não consegue lidar com alguma situação, seja na escola, seja em casa, na relação com os pais, no campo da linguagem e no campo afetivo. Uma criança não precisa de psicoterapia quando seu sintoma/comportamento na verdade é um incomodo para os pais ou escola, quando pais ou escola não conseguem lidar com a criança. Muitas vezes, o sintoma ou comportamento da criança, para a mesma, não é um problema, ao contrário, pode ser uma saída para evitar o sofrimento.
            Vou dar um exemplo prático de uma situação em que a criança não necessita de psicoterapia. A criança foi encaminhada, pela escola, para avaliação psicológica por ter um temperamento difícil, por não aceitar regras e limites, por querer sempre mandar nas brincadeiras com os amigos. Em casa a criança também não aceita limites, impõe aos pais suas vontades, e quando recebe um não como resposta, promove um escândalo, até mesmo na rua, constrangendo os pais. Em avaliação com a criança, esta não demonstrava nenhum tipo de sofrimento ou dificuldade. Era uma criança que brincava normalmente. Expressava-se com facilidade, relatava sobre a família com tranquilidade, assim como a relação com a escola. A criança não reconhecia a queixa dos pais como problemática. De fato, a criança tinha dificuldade em aceitar algum tipo de imposição, durante a avaliação, como exemplo, não aceitava o fim da sessão, mas quando a analista insistia em colocar que a sessão devia ser encerrada, pois não havia mais tempo, ela acatava sem problemas.
            Nesse caso citado, à criança não apresentava nenhum tipo de demanda pessoal, que justificasse a psicoterapia. A demanda é exclusiva aos pais, e são eles, e não a psicóloga, que deveriam lidar com a questão. São os pais que deveriam mostrar à criança os limites, às regras e a necessidade em esperar, esse trabalho é dos pais e não pode ser terceirizado. Assim sendo, cabe uma orientação aos pais, e em alguns casos, sugestão de psicoterapia para os mesmos, mas a psicoterapia para a criança não é necessária.
            É importante destacar que análise para crianças não tem o propósito de adaptar o comportamento das mesmas. Não serve para deixá-las mais educadas, comportadas e estudiosas, esse papel é dos pais. Psicoterapia para crianças, assim como para adultos, é para ir de encontro a um sujeito que está em sofrimento e precisa ser escutado.
Encerro com uma citação do psicanalista francês Jacques Lacan no livro “Outros Escritos”, em “Nota sobre a criança”: “O sintoma – esse é o dado fundamental da experiência analítica – se define, nesse contexto, como representante da verdade”.
            Assim, o sintoma da criança, muitas vezes revela uma verdade familiar e não verdade exclusiva à criança.


           


           
             


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