terça-feira, 13 de outubro de 2015

Autismo e Psicanálise: uma possibilidade de tratamento?

          A psicanálise encontra grande resistência, entre profissionais de saúde e pais de autistas, para tratamento de autistas. Médicos, pais de autistas, profissionais da educação, recomendam, declaradamente, o não tratamento de crianças autistas com psicanalistas, argumentam que é perda de tempo. Muito do ódio relacionado à psicanálise, para o tratamento de autistas, vem de um argumento de que psicanalistas culpam a mãe pelo autismo da criança. Outro ponto, é que a psicanálise não irá treinar o comportamento da criança, no sentido da substituição de comportamentos inadequados por adequados, o que muitos consideram inapropriado, argumentando que a criança autista, deve adaptar seu comportamento, para ter um convívio social mais apropriado e digno.
            Sou uma psicanalista que atende autistas. Fui apresentada ao autismo, não pela psicanalise, mas por um menininho que, para sempre, mudou minha vida. E é a partir da minha experiência com crianças autistas e em especial, com esse menininho, que me autorizo a falar sobre a relação da psicanálise e o autismo.
            É fato que a psicanálise enfatiza muito a relação mão-bebê. Isso não tem a ver só com a clínica com autismo, mas com a clínica com crianças de uma forma geral. O sintoma da criança, na maioria das vezes, tem forte relação com as demandas parentais e, através do sintoma, a criança responde às demandas dos pais. Assim, um tratamento psicanalítico com crianças, sempre convoca os pais, para que, junto com o psicanalista, possam refletir sobre o sintoma do filho, não no sentido de culpar os pais, mas acima de tudo responsabilizá-los. A culpa não pode caber no tratamento psicanalítico, pois àquilo que os pais convocam de seus filhos é inconsciente, então, não podemos culpar uma pessoa de algo que ela nem mesmo tem consciência de que está fazendo.
            O tratamento com autistas não poderia ser diferente. Os pais também serão convocados para uma reflexão sobre o que acontece com a criança, sobre como eles percebem e enxergam o filho, sobre como eles encaram o autismo da criança. Ter um filho autista é de uma exigência imensa, assim, acolher a demanda dos pais e escutar as fantasias, desejos, decepções que circulam diante do filho é de extrema importância.
            Como já mencionei fui apresentado ao autismo por uma criança autista. Na verdade, o diagnóstico de autismo demorou a se impor. A criança foi encaminhada para tratamento com uma suspeita de autismo, por não falar, por não fixar o olhar e por ser apegada a objetos. Apesar de todas as características de autismo, preferi não fechar o diagnóstico, pois a criança só tinha dois anos e meio. A dificuldade em fechar diagnóstico se tornou ainda mais árdua, pois no percurso do tratamento, a criança tinha uma melhora significativa, interagia cada vez melhor, não era mais apegada a nenhum tipo de objeto, porém a dificuldade da linguagem permanecia, apesar de estar falando muitas palavras e formulando frases pequenas, ainda tinha dificuldades em entrar no plano no discurso. O diagnóstico de autismo foi fechado quando a criança tinha sete anos e meio, por mim e pelo médico.
            Durante tantos anos atendendo essa criança e, posteriormente, atendendo outras crianças autistas, fui percebendo como cada criança vai encarando e lidando com seu próprio autismo. Esse menininho me mostrou o quanto ele ia encontrando recursos para enfrentar suas limitações e a perceber que ele também tinha potencialidades. Sua dificuldade em falar, muitas vezes, era substituída pela escrita. Assim, ele produzia, durante as sessões, materiais desenhados e escritos, realmente incríveis. Ele produzia histórias, construía livros, e dessa forma, ia revelando sua subjetividade para mim. Aos poucos, o discurso foi melhorando e atualmente ele se coloca, oralmente, muito melhor, porém, quando tem muita dificuldade e me explicar alguma coisa pede para mostrar um vídeo na internet para esclarecer o tema. Enfatizo ainda, que a disponibilidade da mãe com o tratamento da criança, sempre presente nas entrevistas comigo e sempre buscando pensar e refletir sobre a questão do filho, foi fundamental para um bom percurso do tratamento.
            Uma autista famosa chamada Temple Grandin, através de seus livros, publicações e palestras, pôde deixar vir à tona a grande capacidade, muitas vezes, silenciada e escondida dos autistas. Muitas das conquistas de Temple vieram justamente, por ela ser autista. Temple Grandin  tem mestrado e doutorado em zoologia e mais de quatrocentos artigos publicados em sua área de especialização. Para quem se interessar por essa história fantástica, existe um filme sobre a vida de Temple Grandin, cujo título é seu nome próprio.
            Encerrando o artigo cito outra autista chamada Carley Fleischmann, que também escreveu um livro. Até a adolescência Carley não emitia nenhuma palavra. Os parentes de Carley desconheciam o fato de que ela sabia escrever, até que, um dia, ela deixou uma mensagem no computador com as palavras “dor” e “ajuda”. A partir desse dia Carley nunca mais deixou de escrever e, escreveu um livro com a ajuda do pai. Sobre sua experiência, Carley diz: “O autismo me trancou em um corpo que eu não posso controlar”, e ainda: “As pessoas têm muita de suas informações vinda dos chamados especialistas, mas eu acho que esses especialistas não conseguem dar uma explicação a algumas questões”. *
            Carley nos ensina que os autistas devem ser escutados, ou lidos, já que a maioria deles tem facilidade em escrever do que falar. Independente da especialidade que irá tratar um sujeito autista é digno que ele possa fazer parte do tratamento, de modo que se expressem e participem ativamente.  Assim, a psicanálise é um tratamento possível para autistas? Enquanto possibilitar um espaço em que o sujeito autista posso se colocar e expressar, acho que a psicanálise tem um papel determinante.
Os autistas têm muito a nos ensinar...

*As falas de Carley foram retiradas de um blog da revista Super Interessante: http://super.abril.com.br/blogs/como-pessoas-funcionam/entenda-e-experimente-como-funciona-a-mente-de-um-autista-com-a-ajuda-de-uma-adolescente-que-sofre-dessa-condicao/




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